31.12.05

SERENIDADE. PARA 2006, SERENIDADE.

photo by Usagi San

30.12.05

2006

Como é da praxe nesta altura, gostaria de desejar a todos os que por aqui passam, um bom ano novo, cheio de shinais e tudo o mais.

Bom keiko.

7.12.05

CONCLUSÃO (ACERCA DOS MÉTODOS DE ATINGIR O KI)

Para desenvolver a prática qualitativa do budo ultrapassando as barreiras culturais, acredito que devemos ter a abertura de espírito que nos permita compreender que existem outros sistemas de pensamento noutras culturas.
É preciso, ao mesmo tempo, evidentemente, enfrentar as técnicas do budo. Devemos ver nelas um dos elementos essenciais pelos quais o budo se constitui. Estou convencido que a chave do budo está no nosso corpo, o que significa que se encontra para lá das barreiras culturais. Penso que se trata do ki, mas não do ki em geral. Na prática das artes marciais, estamos face ao ki, moldado de uma forma técnica, sem a qual o budo não pode existir.
Apresentei e analisei brevemente dois métodos clássicos que visam desenvolver o ki, seja através da prática do kata, seja directamente pelo exercício energético.
A história do budo, e do kendo em particular, mostram que os dois métodos convergem.
Pôr em evidência o trabalho do ki permite, não apenas concretizar a prática do budo, mas também abrir a possibilidade de uma prática a longo prazo. O budo pode assim contribuir para o bem-estar e melhoramento da vida. Segundo a minha análise, a sensação de ki é o fundamento do budo. Ela pode ser sentida para lá das barreiras culturais, abrindo assim perspectivas acessíveis fora da cultura budista e shintoísta japonesa, mas conservando sempre aquilo que é a especificidade do budo.

6.12.05

O MÉTODO ENERGÉTICO (2ª PARTE)

Chegamos assim ao fim do artigo de Kenji Tokitsu sensei, dedicado ao método energético para atingir o ki. O próximo post será de conclusão sobre os assuntos que foram desenvolvidos até agora.

Durante a segunda metade da sua vida, Shiraï Toru dominava os seus adversários com um estranho poder que emanava da sua espada. Diz a lenda que na ponta do seu bokuto se apercebia um círculo luminoso. Tendo atingido esse nível, emcontrou-se num impasse que apenas conseguiu ultrapassar a poder de longos anos de treino e de meditação ascética. Esse método, o “rentan”, baseia-se principalmente sobre um trabalho energético que corresponde, em grande parte, ao qi cong marcial dos dias de hoje. Segundo Shiraï Toru, o rentan seria o único método concreto para atingir o nível superior da via da espada.
Yamaoka Tesshu atingiu, também ele, um nível extraordinário com a espada; e, para isso, apoiou-se na prática do zen. Era pobre e, por volta dos trinta anos, habitava uma casa em mau estado. Chamavam-lhe “Tetsu vestido com cortinas”, mas também, “Tetsu, o demónio do dojo”. Muitos dos seus amigos contam que, durante a noite, o chão da casa, ressoava com o ruído dos ratos. Mas assim que Tesshu começava o zazen, o seu ki preenchia o espaço e os ratos cessavam de fazer barulho, chegando alguns a cair das vigas por onde corriam. Alguns anos depois, quando Tesshu começava o zazen, os ratos paravam de correr e desciam para brincar à sua volta. Não sei da autenticidade desta anedota.
Em todo o caso, existem inúmeros testemunhos da força do ki de Yamaoka. Takano Sasaburo (1862-1950), um dos maiores mestres do kendo do princípio do séc. XX relata:
“Durante os treinos, o mestre deixava-se atingir pelos golpes dos seus alunos, mas eles nunca tinham a sensação de o ter verdadeiramente atingido. Quando tentava atingi-lo com um golpe mais poderoso, encontrava sempre a ponta do shinai do Mestre na minha garganta... a atitude do Mestre era semelhante à de um balão que nunca se consegue fazer tombar. Ele possuia uma enorme flexibilidade, mas essa flexibilidade escondia uma potência brutal. É assim que, durante os treinos, mesmo atingindo-o bem no meio do men, nunca consegui sentir que o tinha (verdadeiramente) tocado. Toda a gente era empurrada pelo seu ki. Mesmo quando a ponta do seu shinai parava a trinta centímetros diante de mim, tinha sempre a sensação de ter recebido um tsuki. O Mestre não manejava a espada com as mãos, mas com o seu centro de energia. Aconteceu-me um dia receber um muito ligeiro tsuki e no momento não sentir nada. Mas quando voltei para casa apoderou-se de mim a estranha impressão, como se a minha garganta tivesse sido perfurada e o ar circulasse livremente. Essa impressão estranha persistiu durante dois dias.”
Se estes dois grandes mestres transformaram radicalmente a qualidade da sua espada, um através do rentan, o outro do zazen, podemos pensar que essas práticas os ajudaram a reorganizar a maneira de sentir e de agir subentendidas na técnica da espada. Do ponto de vista prático, a pessoa que se exercita dessa forma não pensa forçosamente estar envolvida numa reorganização. Subjectivamente, ela sentirá um melhoramento moral ou, segundo a sua crença, uma iluminação, ou uma purificação, do corpo e do espírito. Mas o mais comum será provavelmente uma forte sensação do ki.
Se o zen influenciou a prática da espada japonesa, não foi apenas como filosofia especulativa, mas fundamentalmente através da prática corporal do zazen. Penso que, pelo menos a princípio, o zen atraiu os guerreiros do período das guerras feudais pelo seu aspecto pragmático.
Como disse antes, uma particularidade do budo consiste no facto de, levado a fundo o seu pragmatismo, este se começar a confundir com moral e filosofia.

Mesmo se a filosofia do budo é intrigante no plano intelectual, discutir esssa filosofia não contribui para uma melhor compreensão do mesmo.
O método rentan, tal como o do zen, visam desenvolver o essencial do budo sem passar por uma aprendizagem de técnicas específica. Mas na arte da espada, que exige um manejamento e trajectos certos, esse método não é aplicável senão depois obter um domínio técnico mínimo. Pois que, mesmo que se tenha adquirido uma mestria energética e uma percepção correcta da acção em combate, os gestos não serão transpostos com eficácia se a espada não seguir as trajectórias correctas. Mesmo com uma grande força, a espada não corta se a lãmina não se encontrar na posição devida. Enquanto que na arte de combate de mãos nuas, trata-se de aplicar um golpe, e não de perfurar com uma lâmina, pode-se golpear eficazmente sem a precisão necessária na espada. (...)

Próximo post: Conclusão

O MÉTODO ENERGÉTICO (1ª PARTE)


Depois do método do kata, eis então segundo método de treino, o método energético. Como sempre, todos estes textos estão disponíveis em www.tokitsu.com mesmo aqui ao lado, na zona dos links.

Este método traça um caminho quase inverso ao primeiro e visa desde o início reforçar o que veicula o princípio da eficácia: o ki. Diria que este método tenta reorganizar o sistema sensorial para que o corpo funcione com uma melhor regulação energética. Se o primeiro se apoia sobre as formas técnicas elaboradas até à perfeição, este apoia-se directamente sobre o sistema sensorial inerente às técnicas gestuais da mais alta eficácia.
Eis porque, segundo este método, a técnica deve aparecer espontaneamente a partir da sensação de ki. Ele não se apoia na aprendizagem específica das técnicas como o método do kata. Se houver uma elaboração técnica, ela virá depois de se ter dominado suficientemente o princípio da eficácia, que o mesmo é dizer, o ki. (...)
N(a arte d)o sabre, mesmo para um método que situa no lado oposto ao método do kata e visa a formação directa no combate pela aquisição de um elemento mental e energético essencial, há um minímo de mestria técnica que é obrigatória para saber utilizar a lãmina.
O método de Hirayama Gyozo (1759-1828) é um bom exemplo disso e a aprendizagem técnica era aí limitada ao mínimo. O seu método consistia numa só técnica. Um exercício a dois, onde se ataca com um shinai longo um adversário munido de protecções e um shinai curto de 40 cm. Este último deve atacar para desferir um golpe no abdómen do primeiro, com o espírito de o trespassar, isso, quaisquer que sejam os golpes que receba enquanto se aproxima.
Hirayama Gyozo escreveu num dos seus livros, Kensetsu (Explicação da espada):
“O objectivo da arte da espada é matar o inimigo. O essencial é fazer passar o vosso espírito “matador” através da barriga do adversário.”
À escola de Hirayama Gyozo chama-se Sinkan-ryu ou Shinnuki-ryu (escola de atravessar pelo espírito ou escola de atravessar pelo essencial, conforme os ideogramas).
Segundo Hirayama Gyozo, se o vosso espírito atravessa o adversário, sois os vencedores e esse é o método mais seguro e eficaz em combate real com espada. Vemos aqui um trabalho energético que visa o reforço do espírito da maneira mais directa. A simplicidade deste treino reside na repetição de um só gesto, no que é comparável ao exercício aparentemente simples de permanecer de pé e imóvel em “ritsu-zen” (zen em pé). No entanto, com a postura imóvel do ritsu-zen, exercemos o espírito no sentido de criar uma disposição mental e física destinada a esmagar o adversário, qualquer que ele seja. No combate com sabre, é preciso utilizá-lo correctamente, daí que o exercício simples de suburi seja a base do método de Hirayama Gyozo. O seu método é, assim, resumido a um gesto simples e ao reforço daquilo que é o fundamental do combate. Caracterizaria-o então como um método que visa reforçar directa e simplesmente o essencial da energia: o ki do combate.
Na tradição da espada japonesa, o método energético é o mais frequentemente aplicado, paralelamente ao método do kata ou a continuação do mesmo. Referirei, como exemplo, dois mestres célebres do séc. XIX, Shiraï Toru (1783-1845?) e Yamaoka Tesshu (1836-1888), na foto acima, que seguiram essa tendência.
Os problemas encontrados por esses dois adeptos são incontornáveis para qualquer reflexão sobre o método (N.Tr.: de treino) nas artes marciais japonesas.