31.1.07

KATA: SIM OU SIM E PORQUÊ? (1)

Kodachi-no-Kata Nihon-me
Ontem estava a ler um blog de um kendoka nortenho, http://kenshin.blogs.sapo.pt/, e deparei-me com uma frase que achei muito curiosa:

“Hoje vou falar sobre kata, ontem foi dia de kata, como é costume de 15 em 15 dias às segundas-feiras, o que eu acho que é pouco, mas para muita gente chega e sobra uma vez que, quando é aula de kata, nem aparece no dojo porque não vale a pena ir perder tempo, pelos vistos...”

A verdade é que kata, seja lá qual for a arte marcial de que se fale, é um exercício muitas vezes entendido com um filho pobre... ou, pior ainda, como... um enteado.

A quem é que interessa praticar kata? A ninguém, diria. E não se pense que isso acontece apenas em Portugal. Lembro-me de, durante o estágio de shinsa em Glasgow, assistir a candidatos a sandan executando kata de uma maneira tão pobrezinha, com uma qualidade tão miserável, tão execrável*, que dava para perceber de um modo evidente que, onde quer que seja que pratiquem, kata não é, definitivamente, uma coisa que exercitam com frequência.
E estou a falar de kendokas oriundos de países como Taiwan ou Malásia, onde a percentagem de hachidan residentes é, de longe, superior a qualquer país da Europa.

Então, what’s the point? O que se passa? O que se passa é que, para toda essa grande maioria de gente, kata é apenas um obstáculo a contornar durante os exames.
Treina-se kata para fazer exame. Quinze dias, uma semana (?), antes do exame pede-se ao “cromo de serviço” do dojo, normalmente um colega um bocadinho mais antigo que, ninguém sabe muito bem porquê, tem aquela “pancada” pelos kata, que dê uma ajudinha de modo a contornar o obstáculo. Tem de ser.
Kata é inevitável, mas para todos os efeitos, chato.

E, no entanto... no entanto, kata tem muito que se lhe diga.


No próximo post não perca
:
O essencial da história de kendo-no-kata, contada aos jovens e lembrada aos velhos.
Só faltava agora a “Teresinha” a dizer: “Há coisas fantásticas não há?”


*E El Presidente, que estava comigo, não me deixa mentir. Perguntem-lhe, perguntem-lhe.

30.1.07

KAKARITE 10 - MOTODACHI 8

Apesar do que título possa sugerir, não vou falar dos resultados dos jogos da Liga de Andebol do Japão.

Não, este post é acerca de kirikaeshi.

Tradicionalmente, dizia-se que só após três anos de treino intensivo de kirikaeshi é que o kendoka começava a ter uma visão básica dos fundamentos do kendo.

Estamos um pouco longe desses princípios, quer espacial quer temporalmente, no entanto, kirikaeshi continua, ainda e sempre, a ser um dos métodos mais eficazes de “julgar” as qualidades de um praticante. Apesar de, e curiosamente, não ser exigida a sua execução durante os exames de graduação.

E como é que kirikaeshi nos pode ajudar? Para responder a esta pergunta simples recorro mais uma vez à tradição. Supostamente, e sem motivo nenhum que me leve a crer em contrário, kirikaeshi desenvolve 10 efeitos benéficos sobre o seu executante.
A saber, estas são as vantagens de ser kakarite (kirikaeshi-no-toku):

1 – Melhora a postura;
2 – Melhora a respiração e resistência;
3 – O (gesto de) corte torna-se mais forte e confiável;
4 – Os ombros ganham flexibilidade;
5 – Desenvolve o te-no-uchi;
6 – Facilita os movimentos dos braços;
7 – O tronco torna-se mais firme e sólido;
8 – Melhora ashi-sabaki;
9 – Clarifica ma-ai;
10 – Promove o uso correcto de ha-suji;

Por outro lado, literalmente, do lado de motodachi, os efeitos de kirikaeshi também se fazem sentir.
Ao receber o encadeamento, e sempre segundo a tradição, motodachi recebe 8 lições importantes (kirikaeshi-uke-no-toku):

1 - Melhora a postura;
2 - Desenvolve a agilidade do corpo;
3 - Desenvolve a visão (do alvo);
4 - Toma consciência da habilidade do adversário;
5 - Desenvolve a consciência de ma-ai;
6 - Melhora e fortifica te-no-uchi;
7 - Melhora a habilidade de bloquear;
8 - Acalma o espírito;

Claro que estes são apenas pressupostos teóricos.
O que é importante para o praticante é a atitude e a correcção técnica que deve ter quando executa kirikaeshi.

Basicamente, tomar atenção à respiração, ao ritmo e à distãncia. Nunca é demais recordar que o essencial é:
Preocupar-se sempre com “fazer bem” em vez de “fazer rápido”. Como aliás de pode ver neste exemplo, a cargo do bi-campeão nacional:


http://www.youtube.com/watch?v=6QDLIYq200c

Outra coisa que acontece com kirikaeshi é que se pode variar as técnicas uitlizadas.
Fazer do-kirikaeshi, por exemplo, ou, misturando tudo, fazer uma ida (e volta) em men-kirikaeshi e a ida seguinte em do-kirikaeshi... ou então experimentar esta variação interessante que encontrei num site japonês chamado Ichinikai:


最初に面を打ってから体当たりして前進の左右面を4回
Ataque sho-men seguido de tai-atari, avançar fazendo 4 sayu-men


前進の左右胴を4回、後進の左右面を4回
e depois 4 sayu-do; recuar fazendo 4 sayu-men


後進の左右胴を5回やってから面を打って抜けて
seguidos de 5 sayu-do. Acabar com sho-men “a passar".


Seja como for, nunca esquecer, o mais importante acerca de kirikaeshi não é nenhuma destas coisas todas que para aqui estive a falar.

O mais importante de kirikaeshi é fazê-lo.

29.1.07

A PALAVRA DO SENHOR (OSAKA) 36*

Como já tem sido costume, uma grande parte do treino foi dedicada a Kirikaeshi, e sendo assim, no final o sensei falou-nos da importância do Kiai durante Kirikaeshi.

Sensei Osaka referiu que o kirikaeshi deve ser contínuo e que todo o exercício deve ser efectuado com duas respirações, uma no final de cada men (os dois 1ºs de cada sequência de ataques) e não aproveitar para respirar e descansar antes de efectuar o Men (o 3º), chegando mesmo a fazer uma analogia com um arco a ser disparado, em que a tensão do fio vai aumentando até atingir o auge antes do disparo.

O mesmo deve passar-se com o Men. O kiai deve estar sempre presente e não deve esmorecer, culminando com um Men que, como já referiu milhentas vezes, deve ser um ippon.

:)
Abraço e até quarta.

*mais uma vez fruto da amabilidade e autoria do nosso amigo (v)EIGA. Obrigado Tiago.

28.1.07

UMA GRANDE ERRATA AO POST ANTERIOR

O mais novo elemento da equipa nacional (à direita) contra o mais antigo.
Foto de Charlotte Vandersleyen.

EL PRESIDENTE - Adivinha lá quem passou?

Depois daquele tempo todo a arbitrar, eu sabia lá... mas no entanto, e apenas pelo que me lembrava dos combates, disse-lhe:

EU - O Sérgio, o Joni, o Sousa e... (arrisquei)... o Henrique.
EL PRESIDENTE - Todos certos, menos o Henrique.
EU – (lembrando-me do belo kaeshi-do do Pedro Marques): Então, o Pedro.
EL PRESIDENTE – Corrrecto, o Pedro.

O que El Presidente não viu foi que eu estava a apontar para o Pedro (Marques, lá está).

Pois, pois, pois, enfim, já todos perceberam que meti os pés pelas mãos no assunto dos Pedros. Mas, como diria o grande Bart Simpson “Não fui eu, a culpa não foi minha, e se fui eu, ninguém viu e não podem provar nada”. :-).

Ó Pedrinho, desculpa lá a confusão mas, já viste bem?
Vais ao Europeu, pá.

Parabéns, puto.

27.1.07

HABEMOS SELECTIO

Acabou a época de torneios nacionais. Pode começar o Europeu.

Com a realização do "Torneio dos 10", que reuniu os classificados entre a posição 3 e 12 do ranking nacional, terminou oficialmente a época de kendo referente ao ano de 2006.

Sérgio Andrade, Luis (o) Sousa e Joni Duarte, todos de Lisboa, e ainda (um brilhante*) Pedro Marques, de Coimbra, são os quatro restantes elementos apurados para a selecção que representará Portugal no Europeu que se realiza em Abril no nosso País.

Juntam-se assim aos dois atletas já anteriormente qualificados (pela sua posição cimeira no ranking nacional), Nuno Ricardo (Porto) e Paulo Martins (Lisboa).

Aos apurados, o autor este modesto blog gostaria de apresentar os seus sinceros parabéns pelo lugar (duramente) obtido na selecção nacional, com uma menção especial para os dois estreantes: Joni Duarte e Pedro Marques.

Aos outros seis, os que não conseguiram um lugar, gostaria apenas de lhes dizer que como diz o povo "Há mais marés que marinheiros". É preciso é ter calma, treinar mais e não esquecer que a época de 2007 está mesmo a começar.

Domo arigato gozaimashité.

*Pedro, grande kaeshi-do aquele que valeu o ippon.
O Eiga Naoki deve ter tido um arrepio na espinha, lá em Hokkaido ou onde quer que esteja.

25.1.07

A PALAVRA DO SENHOR (OSAKA) 35*

Quarta-feira, 24 Janeiro 2007

Já agora, uma vez que o caro Usagi san não compareceu ao treino de hoje (quarta-feira), deixo aqui o que foi referido.

O sensei hoje foi muito breve nas suas palavras, salientando apenas a importância de fazer Kirikaeshi "grande".

Pode ser rápido mas deve ser sempre "grande", não caindo na tentação de fazer Kirikoptero. :P
um abraço Tiago v(Eiga) aka kodomo :P

10:08 PM

*amavelmente enviada pelo nosso (v)EIGA.

23.1.07

A PALAVRA DO SENHOR (OSAKA) 34

Segunda-feira, 22 de Janeiro 2007.

Hoje (ontem), o senhor Osaka falou sobre alguma coisa que hoje (hoje) já me esqueci...

Pede-se a alguém que tenha estado presente no treino que me reavive a memória... ou então que escreva o post inteiro no espaço dos comentários.

Tou farto de dar voltas à carola e não me consigo lembrar. Varreu-se-me.

Não há dúvida, trabalhar FAZ MAL.

21.1.07

UMA CURIOSIDADE INTERESSANTE

Risuke Otake
Não faz parte da lista de interesses deste blog a divulgação de outras artes marciais para além do kendo, no entanto, como já se falou aqui de outras coisas que directa ou indirectamente influenciaram (e influenciam ainda hoje) a sua teoria e práticas, aqui fica um link interessante dedicado ao katori shinto ryu, supostamente gravado em 1969 e com a participação do Shihan-ke Risuke Otake.

Inclui katas com bokuto, kodachi, bokuto e kodachi (Maneeeeeel), naginata, etc.

http://video.google.com/videoplay?docid=-3592341485993959661&q=otake&hl=en

É muito bonito... e o filme tem aquele ar datado, tipo kodachrome gasto pelos anos.

É muito lindo, a sério.

20.1.07

A PALAVRA DO SENHOR (OSAKA) 33

Sexta-feira, 19 de Janeiro 2007.

O treino de hoje (ontem) decorreu mais ou menos na mesma lógica e ordem com que têm decorrido os últimos treinos. Kirikaeshi, kakari-geiko, ji-geiko e já está. Podes ir p'ra casa feito em papa.
Mas isso acho que, e por motivos particulares que não vêm agora aqui à baila, foi apenas o meu caso.
O resto pessoal aparentemente já se habituou e ninguém estava de bofes de fora como eu. Siga.

As palavras finais do senhor Osaka incidiram mais uma vez sobre o papel do motodachi durante kakari-geiko e mais uma vez realçou a importância do mesmo (ver nº 28).

Apesar de estar a escrever isto depois de 12 horas a dormir, ainda não estou muito bom. Vou acabar.

Enfim, malta do "Torneio dos 10" está tudo em ordem? Falta uma semana para ver quem vai à selecção... e ao europeu.

Com'é qu'é???

18.1.07

A PALAVRA DO SENHOR (OSAKA) 32

Quarta-feira, 17 de Janeiro 2007.

Basicamente hoje foi dia de paulada. Apesar de uns "rounds" de kirikaeshi e de kakari-geiko, à laia de aquecimento, hoje deve ter sido o dia deste ano em que mais ji-geiko fizemos. E soube bem.

No fim do treino, o senhor Osaka apenas nos disse que o nosso último kirikaeshi (depois do ji-geiko) estava muito fraco e, recorrendo à mímica, imitou algo muito parecido com um kendoka com os bofes de fora, à medida que faz kirikaeshi.

Depois, Osaka sensei esclareceu-nos, pela 13.874ª vez, que o último kirikaeshi do dia, sobretudo esse, deve ser sempre feito com o máximo de fé.

Grande e rápido. Sempre maior e sempre mais rápido.

And we all called it a day.

Sayonaraaa.

16.1.07

OLHA, UM PEQUENO POST SOBRE ARBITRAGEM


Ó pra eles com a bandeirola da minha cor levantada.
Devo ter feito alguma coisa bem feita.

Dizia-me alguém em Kitamoto, no dia anterior ao meu shinsa, que os juízes apenas procuram as “coisas bem feitas” nas acções do examinado, em número suficiente, para o passarem no exame.

Não deixa de ser curioso, pensei. Habituados como estamos a criticar e a sobre-valorizar o que está mal e a não reparar, ou pelo menos colocar sempre em segundo plano, o que é bem feito, eis uma maneira interessante de encarar o mundo.

E o que tem isto a ver com o título que este post ostenta?

Ser árbitro de kendo é, a meu ver, um pouco assim. Só que, de certa maneira, mais fácil.
É que, enquanto os requisitos de exame necessários (ler: o número de “coisas bem feitas”) aumentam e se modificam à medida que se vai progredindo, ao árbitro de kendo só se lhe pede, essencialmente, que reconheça uma coisa, qualquer que seja o núivel dos competidores que arbitra e essa coisa é: ki-ken-tai.

Eu sei, eu sei, há toda uma série de termos e situações que é necessário aprender e dominar mas, em última análise, um bom árbitro é a aquele que reconhece e recompensa devidamente uma situação de ki-ken-tai.

Aliás, ki-ken-tai no itchi é inconfundível. A situação resultante de uma acção executada com o espírito adequado (ki), uma utilização técnica correcta do shinai (ken) e a colocação corporal perfeita (tai) durante a mesma, só pode significar uma coisa: ippon.

O problema dirão é como reconhecer, muitas vezes no meio de uma saraivada de golpes e contra-golpes, onde está a técnica boa? Aquela que vale e merece ser recompensada.

Shimojima sensei
durante as aulas de arbitragem (do curso de gaidjins de Kitamoto) dizia que uma das melhores maneiras de reconhecer um ippon é, para além dos olhos, claro, ter os ouvidos bem atentos.
O som de um ippon a ser marcado é, pelo menos, meio caminho para o reconhecer.

Ora, como sei que no passado fim-de-semana ouve um treino em Coimbra que incluiu, ao que me disseram, um pouco de arbitragem, vou recorrer aos meus apontamentos de Kitamoto e transcrever as dicas mais importantes que me ensinaram acerca da acção de avaliação, propriamente dita, de um ippon. Diziam eles que um árbitro deve:

Dica 1Nunca tirar os olhos dos competidores e, para tal, acompanhar sempre o combate numa posição que permita que tal aconteça a todo o instante;
Dica 2Tomar muita atenção aos ruídos e sons produzidos pelo combate;
Dica 3Não se precipitar nas decisões, pois nenhum árbitro é castigado por ter sido o último a levantar a bandeirola;
Dica 4Julgar a acção de uma forma completa, quer dizer, tomar atenção a zanshin depois dos ataques (e por isso, ver Dica 3);
Dica 5Manter o corpo descontraído e a mente alerta;
Dica 6Ter sempre uma opinião sobre o que se passou, para o caso de algum dos árbitros convocar gogi (reunião de decisão sobre um assunto do shiai).

Esperando que este post possa ser uma pequena ajuda para os nossos mais recentes aspirantes a árbitros, despeço-me com amizade até ao próximo.

A PALAVRA DO SENHOR (OSAKA) 31

Segunda–feira, 15 de Janeiro 2007.

Kirikaeshi, kakari-geiko, ji-geik... eh lá, onde é que eu já vi isto?
Estou a sentir uma ligeira sensação de dejá vu. Pois foi, mais um dia de festa na Patrício Prazeres. Mas hoje foi um bocadinho mais leve. Até o Sousa estava mais vivo e tão saltitante como o habitual.

No fim, Osaka sensei ressaltou, mais uma vez, algumas das responsabilidades de motodachi, referindo-se especialmente ao papel do mesmo durante kakari-geiko.

Então dizia ele hoje que quando se faz de motodachi com um principiante, (ou alguém que, apesar de ter bogu, ainda não domina o exercício completamente) é correcto “oferecer” o alvo ao colega. Sabem como é, abrir o centro para ele poder entrar em men, desviar o kote para kote-men, aquelas coisas do costume.

Mas, e nestas coisas há sempre mais um mas, mas se o kakarite já apresentar um conhecimento mais profundo de kakari-geiko, então não se deve facilitar o alvo. Se é para fazer men, então tem de tirar o shinai do adversário do caminho ele mesmo; usar harai (omote ou ura), ashi-sabaki, o que fôr preciso... se quiser fazer kote-men, faz harai-ura antes... em resumo, tem de se desenrascar e abrir caminho, criar suki, para poder executar o shikake-waza que escolheu.
Mas atenção, isto nunca deve ser entendido como um incentivo para prejudicar, ou dificultar em demasia, o trabalho de kakarite. Não é esse o objectivo de kakari-geiko.

Por via das dúvidas, fui perguntar-lhe qual seria então o “nível de resistência” que motodachi deveria opôr a essas acções, ao que me respondeu que praticamente nenhum. O que este trabalho visa essencialmente é criar o hábito de atacar sim, certeiro, pois claro, mas (à cautela) preparar o movimento.

E foi tudo.

Enquanto estava a escrever esta crónica e à medida que me lembrava das suas palavras uma canção surgiu no meu (débil, velho e senil) cérebro. Chamei-lhe o Hino dos Rapazes (e Raparigas, Porque Temos De Ser Politicamente Correctos Nos Tempos Que Correm) do Kakari-Geiko. A letra é assim:

Se um men, incomoda o adversário,
um harai-men incomoda muito mais...

E se um harai-men incomoda o adversário,
um harai-ura kote-men, incomoda muito mais...

Eeeee... se um harai-ura kote-men incomoda o adversário,
um harai-ura kote-men, tai-atari dô... katsugi men (a passar!) incomoda muito maaaAaaais.

Tcham tcham tcham.

Eheheh. O que vale é que o blog é meu, senão era despedido de certeza absoluta.

Abayoooo.

14.1.07

KI-O-TSUKE... MOKUSOOOO!!!

O mais provável é que quem assista a um treino de uma arte marcial se depare com um momento que considerará, no mínimo, intrigante.
São dados alguns instantes para que todos, uma vez em seiza, se “acomodem” e a voz que comanda o cerimonial pede atenção... ki-o-tsuke... e em seguida profere a palavra mágica: mokuso.
E tudo se cala, se imobiliza, o próprio tempo parece parar... é como se estivéssemos a entrar num outro mundo... um fanático de ficção científica (como eu), diria até, a entrar num universo paralelo.

Mas então, o que é, e para que serve, mokuso?

Os mais dados às coisas da meditação referirão, sem dúvida, o lado zen* das artes marciais, os mais místicos tenderão talvez para descobrir aspectos da componente zen do budo e os mais práticos evocarão provavelmente alguns resquícios inequívocos e inúteis do zen no... enfim... p’ra frente, com isto.

Quando o meu primeiro sensei me explicou o que era, e para que servia, mokuso achei a explicação perfeitamente simples e racional. Simples e racional demais, até. Também eu, nessa altura, aspirava a uma explicação mais esotérica, mais misteriosa... mais ... zen?... Isso! Sim, mais ZEN.
Mas não. Não me falou de zen nenhum. Que desilusão.

Com o passar dos anos muitas outras ilusões e mal-entendidos relacionados com o budo se dissolveram com a ajuda de leituras, contactos, práticas, etc. Curiosamente, no entanto, a sua explicação permaneceu na minha memória e hoje, para mim, encontra-se de tal forma fortalecida que não consigo pensar em mokuso de outra maneira.
Outras pessoas apresentaram-me (explicaram-me até) mokuso de outras maneiras mas, mais volta menos volta, a coisa acaba sempre por aparecer, por se transformar até, na maneira simples e original que o meu primeiro sensei (de karate) me explicou.

Fazer mokuso no começo da aula, dizia ele, é deixar para trás toda a “bagagem” que carregamos connosco. As chatices do trabalho, a escola, o trânsito, em resumo, a vida fora do dojo. Só depois disso podemos verdadeiramente apreciar a viagem que empreendemos: o keiko.

(Mokuso, às tantas, e vendo de uma perspectiva mais ocidentalizada, é um pouco como fazer o check-in das malas antes de uma viagem.)

O dojo transforma-se, assim, uma espécie de lugar fora do espaço e do tempo.
Um local em que se entra de uma forma ritualizada (anacrónica, diria até) e onde as regras de etiqueta, o comportamento e até o próprio vestuário e os assessórios, talvez muito para marcar esse mesmo isolamento, são, em si mesmo, muito diferentes dos utilizados fora do dojo. Próprios e exclusivos**.

Mas voltemos a mokuso.
Outra das coisas que faz confusão a muita gente é a duração do mesmo. Vinte, trinta segundos e já está. Não parece consistente. Então se meditamos antes da aula, como é que se justifica semelhante espaço de tempo tão curto? Que raio de meditação é essa, tão curta?
É que, apesar de assumir uma posição de meditação, e de se lhe chamar por vezes meditação, e de se parecer muito com meditação... mokuso... hum... não é bem meditação. Confuso? A escola de etiqueta e boas maneiras Ogasawara ryu-reiho, como sempre, explica. A diferença está na atitude.

Segundo dizia Ogasawara Kiyonobu***, no seu livro Nihon No Reiho, seiza deve ser uma postura calmante, mas não de descanso completo. Mokuso deve reflectir aquilo a que ele chama sei-chuu-do (movimento potencial na imobilidade) e não, como acontece na meditação zen, vulgarmente conhecida como zazen, sei-chuu-sei (imobilidade dentro da imobilidade).

O mokuso final deve ter o objectivo precisamente inverso do do início.
Depois, terminada a “viagem”, é hora de ir levantar as bagagens de novo. Só que, desta vez, a pessoa que vai levantar as ditas é suposto que seja uma pessoa melhor e mais bem preparada para enfrentar o mundo que “largou” umas horas antes.

Afinal de contas, o budo não é isso mesmo?



*Só por curiosidade, o lado zen das artes marciais é o lado da frente? Não. O de trás? Não, também não?... hum... agora a sério, acerca da relação entre budo e zen recomendo vivamente o artigo “Sword and zen”, acho que se chama assim, que pode ser encontrado no livro Budo Perspectives, The Direction of Japanese Budō in the 21st Century: Past, Present, Future. (KW publications).
**Quando alguém diz que as regras da etiqueta do dojo são coisas “de japoneses” e que vivemos na Europa, é caso para perguntar porque é que usa um keikogi para treinar em vez de um fato de treino tradicional.
***Dirigente máximo da escola de etiqueta e boas maneiras Ogasawara ryu-reiho, durante parte do Período Edo.

13.1.07

A PALAVRA DO SENHOR (OSAKA) 30

Sexta-feira, 12 de Janeiro.

O tratamento do dia foi muito semelhante ao de quarta-feira: Kirikaeshi+kakarigeiko+jigeiko. Talvez um bocadinho menos duro (ou talvez já comecemos a estar habituados?), mas, no entanto, duro o suficiente para deixar alguns valentes de bofes de fora (não é, ó Sousa?*).

No fim, o senhor Osaka apenas insistiu que kakari-geiko faz muita falta a quem deseja melhorar o seu kendo.

A princípio, nas primeiras vezes que se pratica, a velocidade não é um factor importante; até se pode fazer mais devagar, a velocidade de execução deve aumentar com a prática.

MAS DEVE SEMPRE SER CERTEIRO. Não serve de nada fazer rápido e mal.

E em seguida saudou-nos e a aula acabou.


Ah... e, já agora, parabéns ao meu irmão que faz anos hoje (isto cabe tudo num mesmo post).


*O Sousa anda-me sempre a chatear porque eu nunca combato em jodan-kamae contra ele, desta vez fiz-lhe a vontade... e o pobre rapaz mal me tocou. Arrastou-se o ji-geiko inteirinho ;-D. Até lhe meti vários kote a partir de jodan... eu, imagine-se.

12.1.07

CASO ENCERRADO


Às 14h e 45m, hora de Lisboa, a minha fisiatra declarou como "oficialmente curada" a tendinite que destruiu a minha vida de kendoka nos últimos quatro meses.

Para celebrar, hoje vou beber uma cerveja.

Oh, happy days... (todos)... oh, happy days.

10.1.07

A PALAVRA DO SENHOR (OSAKA) 29

Quarta-feira, 10 de Janeiro 2007.

Passámos mais de metade do treino de hoje a fazer kiri-kaeshi. O resto do tempo foi gasto, uns 30%, furiosamente, em kakari-geiko, os restantes 20%, ji-geiko. Acho que posso dizer, sem correr o risco de alguém me contradizer, que ficámos todos feitos em papa.

Se alguém esperava uma grande explicação metafísica para o treino ter sido tão desgastante, então deve ter ficado desiludido, pois no fim, o senhor Osaka apenas nos disse que kiri-kaeshi é muito importante, além do que, se queremos elevar o nível do nosso kendo, também temos de melhorar o nosso kakari-geiko (leia-se, fazer muito kakari-geiko).
Não há dúvida que é mesmo japonês, este.

À laia de conclusão gostava imenso de citar o capitão da equipa americana (que derrotou, pela primeira vez em 36 anos de campeonatos do mundo, a equipa japonesa) acerca da preparação que os elementos da mesma tiveram. Diz o senhor Cris Yang, rokudan, num post de um fórum de kendo:

"We had a trainer that created various cardio and strength training exercises for us.
However, I strongly believe that the best way to improve in kendo is through practicing kendo. This includes fundamentals (suburi, suriashi, etc.) as well as dedicating a large amount of time to basic kihon uchi and waza renshu.
In addition, in order to increase speed and endurance, kakari-geiko and oikomi are important (...)."

Okini pela vossa atenção e... abayo.

9.1.07

A PALAVRA DO SENHOR (OSAKA) 28

E assim, da mesma forma como tinha desaparecido, eis que renasce, qual fénix das suas próprias cinzas, a rubrica favorita de todos os leitores deste modest(íssim)o blog.
São esperadas grandes festividades um pouco por todo o "país kendoka".

Ontem, ao terminar o treino, o sensei Osaka dirigiu-nos umas, poucas, palavras acerca de tai-atari durante a execução de kakari-geiko, focando a sua atenção especialmente sobre o papel do motodachi.

Apesar de não o ter dito ontem, Osaka san já se referiu variadíssimas vezes à importância do papel de motodachi na execução de um bom kakari-geiko.
Kakari-geiko (tal como uchi-komi geiko ou, até, kiri-kaeshi ou qualquer outro keiko executado a pares) deve ser feito pelos dois participantes. Motodachi que "recebe" e kakarite que executa.
O papel de motodachi não é descansar enquanto o outro se esfalfa a correr de um lado para o outro como um doido. Motodachi tem obrigações. A saber, duas das mais importantes são:

1 - Estar na "distância correcta", e isso significa uma distãncia o mais aproximada possível de issoku-itto no ma, de cada vez que kakarite executa uma viragem;
2 - Ter (e este ponto foi o que o senhor Osaka ontem ressaltou) o espírito alerta e decidir antes (ANTES!!!) do ataque se "deixa passar" ou se faz tai-atari. É só isso: ANTES do ataque!

E, se decidir fazer tai-atari, concluia ontem o senhor japonês, aguentar sem recuar. Se se decidiu ficar na linha de fogo é preciso "arcar com as consequências".
Uma das piores coisas que pode acontecer a um kakarite é ir à procura do apoio necessário para hiki-waza e ficar a flutuar, porque o motodachi, no último momento, "se baldou" e recuou um passo. Quebra o ritmo, quebra a respiração (e quebra as perninhas), em resumo, pode destruir todo um esforço, e transformar o kakarigeiko, numa frustração total.

Qualquer pessoa um bocadinho mais atenta, ao observar um par a executar kakari-geiko, apercebe-se de imediato se o motodachi está "a domir" ou a fazer o seu papel.

Kakari-geiko já é difícil de fazer com um bom motodachi, com um mau, então, é um verdadeiro descalabro.

Pensem nisso. Até à próxima.

8.1.07

ARIGA SENSEI WEEK-END SEMINAR

Ariga sensei em Taiwan durante o 13º Campeonato do Mundo de Kendo.
Foto gamada em http://www.butokuden.com

Já no ano passado tinha "ameaçado" mas a meio do caminho o destino virou-lhe as voltas. Desta vez parece que é a sério e Tomoharu Ito sensei (8º Dan Kyoshi de Kendo e de Iaido) deslocar-se-à a Portugal para um estágio em Fevereiro deste ano.

Integrado na "comitiva" que inclui Taro Ariga sensei (6º Dan Renshi, Capitão da Selecção do Canadá) e Songyi Choi (5º Dan, Capitão da Selecção Feminina da Coreia), a presença do Shihan da Polícia de Tóquio promete intensificar, com toda a certeza, a 3ª edição do já habitual, e por si só intenso, "Ariga Sensei Week-End Seminar".

Presente estará também, como é óbvio, o "nosso" Director Técnico Nacional, o indispensável Masakiyo Osaka sensei, rokudan.

Para saber tudo o resto: local, horário, preço e programação do estágio basta dar um saltinho à página web da APK (www.kendo.pt).

7.1.07

O SENSEI 1


Shimojima sensei, um mestre "a sério", explicando kendo-no-kata.

Empolada, sobre-valorizada e, muitas vezes até, idolatrada, nenhuma figura das artes marciais japonesas é mais importante do que a do mestre.

Iluminados, rebeldes, obscuros, comerciantes, ascetas, sociáveis, anti-sociais, gentis, brutais, há-os, ao longo da história, de todos os géneros e feitíos.

Os textos que irão ler tentam demonstrar o que eu penso, neste momento da minha vida, acerca dessa mesma figura. Acerca de ”aqueles que chegaram antes” de mim. Algumas das histórias e opiniões que vos vou relatar podem não ser entendidas da melhor maneira por todos. Paciência, não vou pedir desculpa a ninguém por pensar como penso.

Kitamoto, Verão de 2005
A extremidade do meu shinai estala, com um ruído semelhante ao de um chicote, no kote direito do sensei. Foi tudo perfeito: seme perfeito, finta perfeita, entrada perfeita, timing perfeito, datotsu e kakegoe perfeitos... flack... e, em seguida, zanshin. Perfeito... kote-ari.

Mas, no entanto, há algo que não está perfeito. O sensei, um 8º dan cujo nome não vou revelar, parou e olha para mim com cara de poucos amigos. Ele chama-me mais para perto para me dizer algo e grita: kakari-geiko, hajimeeee!!!
Quando o kakari-geiko terminou, uma dúzia (ou mais) de passagens depois, chamou-me outra vez para próximo de si e, dessa vez, berrou-me: kiri-kaeshi... hajimeeee!!!

Lembro-me que era o primeiro ji-geiko do primeiro dia de estágio. Quando acabei o dito kiri-kaeshi (triplo, à moda de Kitamoto) mal me aguentava nas pernas e apresentava-se-me ainda pela frente uma hora e meia de keiko com alguns dos melhores kendokas do mundo.

E eu que me farto de apregoar que o kendo não é violento.

Tudo porque executei perfeitamente uma das técnicas que tinhamos estado a treinar minutos antes. A recompensa pelo meu esforço foi um castigo despropositado e desproporcionado.
Nenhum outro me voltou a punir por fazer coisas bem feitas... pelo contrário. A maior parte dos outros senseis quando se apercebiam que tinham sido enganados, que um “gaidjin de segunda” lhes tinha conseguido marcar uma técnica, sorriam e, por vezes até, chegavam a parar e a fazer uma vénia.

Até hoje não consegui encontrar uma explicação plausível para o sucedido. A única que me ocorre sempre quando penso nisso, e depois de muito pensar, é que aquele sensei, independentemente dos seus dans todos... é uma besta! Nem mais nem menos.

Uma grandessíssima besta. Pronto, já disse.

Mas, felizmente, esse senhor parece ser apenas uma pedra que, de uma maneira bastante estranha e improvável, passou pela peneira formativa e educacional que caracteriza a generalidade dos senseis de kendo com os quais me cruzei até à data.
Apesar dessa excepção de peso (afinal, trata-se de um 8º dan*) a regra continua a ser que as pessoas que atingem esse (quase inatingível**) patamar sejam, obviamente, indivíduos bastante equilibrados, conscientes não só das suas responsabilidades actuais mas também históricas, no mundo do budo em geral e do kendo em particular. Em resumo, mestres a sério.


* Hachidan é, desde 2002, a graduação máxima atingível pelos praticantes de kendo filiados na Zen Nippon Kendo Renmei.
**A taxa de sucesso no exame de hachidan oscila entre os 0,6 os 0,8%. Desde o fim da segunda guerra mundial, em 1945, apenas à volta de 500 pessoas acederam ao título de hachidan ou superior.

4.1.07

O “ORFÃO” (TAMBÉM CONHECIDO COMO SEMPAI)

Eu, por acaso ou sorte, até conheci grandes senseis.
Até hoje, tive a honra (e o prazer) de receber instrução, e refiro-me agora apenas ao kendo, de pessoas como Sumi Masatake, Okada Kazuyoshi, Shimojima, Sueno, e claro, Osaka Masakiyo, isto entre muitos outros.
Mas não vou falar da figura do sensei e do seu significado, isso ficará para um próximo post. Em vez disso, vou debruçar-me um pouco sobre uma outra figura da hierarquia marcial acerca da qual raramente se fala: os sempai.

O sempai que, muitas vezes, é mais responsável pela boa formação dos kendokas do que todos esses grandes mestres que conheci e que citei atrás.

De todos os livros que possuo que têm como tema central o kendo, apenas um refere no, quase obrigatório, glossário que preenche todas as últimas páginas de todos os livros sobre kendo, refere, dizia eu, a palavra “sempai”.
Duas palavras apenas “senior student” chegam para explicar sem grandes problemas o que é um sempai; é um aluno mais antigo, portanto.
Mas reparem que não disse o aluno mais antigo, uma vez que, e atrevo-me a semelhante raciocínio, nem todos os sempai são alunos mais antigos (raro, mas acontece) e que nem todos os alunos mais antigos são sempai (bastante frequente).

Mas a verdade é que esse orfão da atenção, e muitas vezes do respeito que lhe é devido, é muito mais do que um aluno mais antigo.

Muito bem e quem raio é sempai, então?

Sempai é um colega aluno mais graduado do que eu.
Sempai é a pessoa encarregada de ensinar os mais novos. Eu só tenho um sensei, mas tenho vários sempai. E ao mesmo tempo, em compensação, gosto de pensar que posso ser sempai para alguns dos praticantes mais novos que eu.
O relacionamento é sempre feito a “partir de baixo”, digamos assim.

OK, adiante. Mas então o que se pode esperar de um bom
sempai? Tenho a certeza que muitas outras caraterísticas servirão para identificar o dito, mas, assim de repente, as que me aparecem imediatamente, diria que são as seguintes:

Um bom sempai sente prazer em ajudar os alunos mais novos.

Um bom sempai fica chateado quando o sensei falta e é obrigado a dar uma aula, pois tem consciência que a sua aula será sempre uma “imitação menor” daquela que o seu sensei daria, caso estivesse presente.

Um bom sempai, quando dá aula, imita o melhor que sabe, e o melhor que se lembra e que pode, as melhores aulas que recebeu do seu sensei.

Um bom sempai é como uma boa ligação de internet. Deve conduzir e transmitir a informação com fidelidade.

Um bom sempai deve ser tão exigente para com os alunos mais novos como o seu sensei foi para com ele. Nem mais, nem menos.

Um bom sempai não tem o direito de esperar nada em troca, quando ensina o pouco que sabe. Ao contrário, por exemplo, de um bom sensei que, a meu ver, tem.

Um bom sempai é resultado de um bom sensei. Embora um bom sensei não tenha a obrigação de todos os seus alunos serem bons sempai... ou sempai, sequer.

Um bom sempai repete o que o seu sensei lhe ensinou. À sua maneira, por hipótese, mas o mesmo.

Um bom sempai interessa-se por aprender mais.

Um bom sempai não tem medo ou vergonha de interrogar os seus sempai e/ou o seu sensei para aprender mais.

Um bom sempai não se importa, nem tem de se importar, se não lhe chamarem sempai... se se importar é porque não é sempai.


E além do mais, sempai(s) há muitos.

3.1.07

EU, O MITORI-GEIKO E UM OUTRO GAJO PORREIRO

INTRODUÇÃO
Oh pá, deu-me para divagar... deve ser da idade, sei lá. Riam, riam, devem pensar que estão todos a ficar mais novos, não?
(Nota: o texto que se segue usa e abusa um bocadinho, mas só um bocadinho, de aspas e parênteses... mas olha, deu-me pr'aí, quéquessá-de fazer?)

O Dicionário de Kendo Japonês-Inglês (o tal de que eu só ainda traduzi as letras “a” e “b”) define assim Mitori-geiko:

“Método de keiko através do qual se observa a prática de outros, aprendendo com os seus bons aspectos/pontos, reflectindo assim e melhorando o nosso próprio kendo.”

E eu, sempre que ouço falar em mitori-geiko, há duas coisas que me vêm imediatamente à cabeça.

A primeira coisa sou eu, treze anitos, sentado no saudoso dojo da UKA (União de Karate do Algarve) no 1º andar do antigo mercado de Faro, durante uma “mão-cheia de tempo”, à espera que a minha mãe acabasse o karate-gi que me estava a fazer. Sim, que nesse tempo não havia karate-gi(s) à venda por todo o lado como há hoje, qu’é que julgam? Não... era muito dif... enfim, adiante.
Enquanto esperava que o dito cujo “kimono”, como lhe chamávamos na altura, ficasse pronto, pouco mais me restava do que assistir às aulas e absorver tudo o que podia para que um dia, também eu, o pudesse pôr em prática.
E, acreditem ou não, aprendi muito.

A segunda coisa que me lembro é um tipo que se sentava ao meu lado, naquele mesmo banco de madeira corrido, e que durante anos a fio, às segundas, quartas e sextas, quando o primeiro treino começava, às 18 horas, imperetrivelmente se encontrava já sentado para o seu mitori-geiko tri-semanal, saindo apenas às 21 quando o treino de graduados acabava.

Simpático, dotado de uma memória visual razoável (ou fruto de milhares de conselhos ouvidos e de milhões de repetições executadas à sua frente) algum tempo depois ele “era já capaz” de aconselhar soluções práticas para certos movimentos e mesmo emendar posições, encadeamentos técnicos e o diabo a quatro. Tudo numa boa, sem pedantices ou arrogãncias.
Em resumo, o tipo parecia uma espécie de livro técnico lá do dojo.

Ora acontecia nesse tempo que os karatecas que treinavam nesse dojo (incluindo moi) tinham por hábito, para além dos três treinos semanais, encontrar-se aos sábados e/ou domingos de manhã no mesmo local para fazer o que apelidávamos “treinos livres”.
Escusado será dizer que "o nosso amigo" passou a "frequentar" também os treinos livres. E aí, sem os constrangimentos de um sensei presente na sala, dava azo, sempre em amena cavaqueira, à sua extensa sabedoria marcial.

Não sei porquê, mas houve uma vez que, naturalmente, acabámos por convidá-lo para treinar, não regularmente, porque ele já tinha declarado várias vezes a sua incapacidade monetária para tal, mas para participar num dos treinos de sábado ou domingo de manhã.

Arranjou-se um karate-gi emprestado e, dito e feito, lá estava ele.

E, como já devem ter calculado por esta altura, os resultados não foram os melhores.


Na sua cabeça, tudo era perfeitamente claro.

No seu corpo, nada.

As mesmas coisas que ele tão eficazmente aconselhara a outros, eram agora chinês (ou japonês?) completo para o seu corpo. As posições teoricamente mais simples eram-lhe, fisicamente, extremamente complicadas de assimilar ou imitar, como se de uma espécie qualquer de (passo o termo) kama-sutra marcial se tratasse.

Não vou “bater mais no ceguinho”, que o rapaz até era um tipo porreiro, mas a conclusão que tirei ao fim de alguns anitos ligado às artes marciais é, pelo menos para a minha prática "budo-ística", bastante importante.

Mitori-geiko pode ser uma boa maneira de aprender desde que não seja um mero “voyeurismo marcial”, mas sim se estiver assegurada, ou pelo menos perspectivada, a existência de uma continuação prática; física, na verdadeira acepção da palavra. De nada serve ver (ou ler/discutir/teorizar sobre) um budo, seja ele qual fôr, se não se praticar em seguida o que se viu, pois, ao observar, estamos apenas a criar uma imagem. A esculpir uma estátua que, até que experimentemos o que vimos, por mais voltas que dê na nossa cabeça, é imóvel, sem vida.

Como dizia o falecido sensei Tsurumaru Juichi (9º dan hanshi de kendo) a propósito da essência do kendo:
“Esculpe uma estátua* e põe-lhe uma alma dentro.”

Eu acredito que essa alma é o keiko.


Não o mitori, outro.

2.1.07

QUAL O QUÊ???

- "O Karate Tradicional não é para competição, é para o Bushido."*
- Qual Bushido?
- O Bushido.
- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Qual Bushido?
- O Bushido.
- Ah... qual Bushido?
- O Bushido.
- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Qual Bushido?
- O Bushido.
- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Qual?...
- O Bushido.

- ...
- O Bushido.
- Qual Bushido?
- Olhe leia isto: "mesmo os tão enunciados MESTRES 7º, 8º e 9º Dans, estão-se nas tintas para o Bushido"**
- Qual Bushido?
- O Bushido.
- Qual Bushido?

- O Bushido.
- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Sim, mas...qual Bushido?
- O Bushido.

- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Qual Bushido?
- O Bushido.

- Aaah... atão... atão e o zeeeen?

* frase retirada de uma discussão num blog dedicado ao karate.
** idem