8.2.07

KATA: SIM OU SIM E PORQUÊ? (3)

(À laia de introdução)
No kendo, o combate não deverá estar apenas centrado sobre o facto de tocar ou ser tocado, mas deverá debruçar-se sobre a busca de uma plenitude de si-mesmo no acto do combate; e quem não perceber isto, só muito dificilmente poderá perceber o porquê de praticá-lo*.

Já sabemos que o kendo não é uma repetição directa da prática da arte do sabre dos samurai.
Os samurai que se preparavam para combater na época feudal, previam e preparavam o combate de uma maneira que ultrapassava largamente a prática no dojo.
Mas convém lembrar que, por outro lado, nos séculos XVIII e XIX a arte do sabre, o kenjutsu, desenvolveu-se e aprofundou-se, sobretudo, através da prática nos dojos. Os praticantes, que procuravam a profundidade e a eficácia da arte, limitaram, no entanto, o número de técnicas em relação às que tinham sido usadas na época das guerras feudais.


Ao mesmo tempo, várias codificações técnicas e regras de combate foram implementadas TENDO EM VISTA FACILITAR A BUSCA dessa mesma profundidade e constituiram a estrutura de uma arte do sabre que era então denominada kenjutsu ou gekiken.
Kenjutsu que, dentro desse quadro estrutural, atingiu um nível notável no fim da época Edo.

O significado da prática do sabre mudou progressivamente nos finais do século XIX, virando-se ainda mais no sentido da sua interiorização e dando assim origem ao kendo. As técnicas foram (ainda mais) limitadas e é nesse novo enquadramento que os adeptos do kendo procuram a profundidade do combate.
E é essa mudança qualitativa que marca a nascença do budo.
(Fim da tal espécie de introdução).


Já me perguntei várias vezes neste blog e volto agora a perguntar:
Para que serve então a prática do kendo?

O leitor mais atento simplesmente recorrerá ao primeiro parágrafo da introdução acima e responderá: “Para buscar a plenitude de si-mesmo durante o acto de combate.”
Mas, sob a capa essa resposta aparentemente tão simples, há muito mais que se lhe diga. Se não vejamos, então porque não praticar simplesmente uma outra arte marcial ou um desporto de contacto?
É inegável que, se a dita plenitude de si mesmo “se esconde” debaixo do acto de combate, então o lugar e o momento onde essa plenitude pode ser descoberta, surgirá tão fácil ou dificilmente no kendo como numa outra actividade marcial (leia-se budo) qualquer.

Ou não?

E assim, entramos agora naquela fase em que eu digo aquilo que acredito em relação ao tema.

Eu acredito que a resposta à pergunta é não.
Acredito que, nos dias que vivemos, o kendo continua a ser o mais próximo que se consegue chegar dessa tão desejada plenitude do combate, no budo, e que o mesmo possui, desde a sua criação, todos os instrumentos necessários e indispensáveis para o efeito, coisa que nenhuma outra arte marcial moderna (exceptuando talvez a naginata) se pode gabar.

Dirão:
Mas o shinai não é uma katana. Com certeza que não.
As técnicas são limitadas em número e em utilização. Podemos dizer que sim, embora haja peritos que possam discordar de tal frase.
O kendo “transformou-se demasiado” em desporto. Parece-me que nenhuma afirmação demonstra mais a ignorãncia e o desconhecimento total da realidade que essa.

Meus amigos deixemo-nos de histórias. A verdade é que, mais que não seja, o kendo é a única arte marcial japonesa, das que se debruçam sobre o uso da espada, que possui no seu curriculum a prática de combate livre. Vão buscar os kenjutsu’s que quiserem nenhum deles pratica o combate livre.
Mesmo casos extremos e muito “avançados” como, por exemplo, o Ono-ha Itto-ryu, famoso sobretudo por ser o estilo tradicional de kenjutsu da Polícia de Tóquio, não pratica ji-geiko.

E é a prática do ji-geiko, RECORRENDO AO USO DE EQUIPAMENTO APROPRIADO DE PROTECÇÃO, que faz toda a diferença.

Mas temos de concordar que a plenitude do combate com shinai apesar de poder ser alcançada pela via do ji-geiko, não corresponde exactamente, em termos técnicos, ao uso de uma katana.

Depois de isso só há duas coisas a dizer:
1ª - Bokuto ni yoru kendo kihon waza keiko ho;
2ª - Nihon kendo-no-kata;


Depois deste elogio rasgado à arte marcial que pratico e que adoro, concluo no próximo post. Prometo.



*Na verdade, estou plenamente convencido que este é o busílis da questão; o que explica a pequena quantidade percentual de praticantes que continuam a prática do kendo, uma vez passada a fase de deslumbramento inicial.

1 comentário:

jorge disse...

Joaquim, como já é hábito ao ler estas tuas dissertações, mais uma vez só me lembro de uma palavra: genial!


Só espero que os ares africanos não interrompam este teu "serviço público" que prestas ao Kendo em Portugal...