4.12.06

MAAI, HYOSHI E YOMI (3 e último)

YOMI

Até agora falámos de dois de três conceitos essenciais para compreendermos melhor a essência do combate no budo: maai e hyoshi.

O conceito final, Yomi, é uma forma de conjugação do verbo “yomu” que significa basicamente ler, embora também possa por vezes ser traduzido como decifrar. Só isso.

Podemos então tentar resumir as funções dos diferentes componentes do combate:
Controlar o Maai, é gerir, por assim dizer, o intervalo espacio-temporal entre nós e aquele que a nós se opõe.
Hyoshi, tem a ver com o uso correcto da(s) arma(s) à nossa disposição e das nossas capacidades técnicas, bem como do conhecimento que se tem do próprio corpo e das suas possibilidades, de forma a poder suplantar o adversário.
Aplicado à prática do budo, Yomi significa ler gestos, intenções e pensamentos do oponente; decifrar as suas acções, movimentações e ataques.
E apesar de, por vezes, poder parecer uma componente menor, Yomi é a chave do sucesso num combate de kendo.

Eu explico. Normalmente as possibilidades de desenvolvimento de um combate são explicadas por três conceitos conhecidos no seu conjunto como mittsu-no-sen (os três sen):
Go-no-sen, sen-no-sen e sensen-no-sen.

Go-no-sen (também chamado sengo-no-sen ou tai-no-sen) consiste em, depois do ataque do adversário, bloquear e contra-atacar.
Sen-no-sen (ou senzen-no-sen) existe quando, face a um ataque do adversário, se consegue antecipar o seu movimento e desferir com sucesso um ataque (reparem que não digo contra-ataque) antes que o seu gesto técnico seja completado*.
Sensen-no-sen (por vezes referido como kakari-no-sen) é normalmente explicado como o reconhecer da intenção de ataque do opositor, o que origina um ataque vitorioso antes mesmo dele iniciar o seu.

Ora tudo isto seria muito lindo e muito simples não fosse o caso de nos ensinarem que durante um combate todos os movimentos de ataque devem ser resultado de um trabalho de criação de suki. Ou seja, que antes de se atacar deve-se sempre “criar” a oportunidade, o vazio que se vai preencher com um ataque vitorioso. Quer através de fintas “físicas”, quer através da aplicação de pressão psicológica sobre o adversário (seme).

Onde eu quero chegar com isto tudo é ao facto de não se poder, como muito boa gente faz, encarar cada um dos componentes do mitssu-no-sen como compartimentos estanques, quer temporal quer espacialmente.

Há tempos, nas palavras que habitualmente dirige aos seus alunos após o treino, o sensei Osaka mencionou um conceito conhecido como Tame. Tame é, grosso modo, a capacidade de encontrar e reconhecer o “ponto de não-retorno”, chamemos-lhe assim, durante um combate.
Aquele momento em que a pressão exercida pelos adversários é tal que já não há maneira de voltar atrás.
Tame é um momento onde, mais do que a distãncia e do que a técnica, é a leitura do adversário que vai ser fundamental para o sucesso.

Voltando agora a Yomi não me parece muito díficil perceber que a definição de “leitura do adversário” ganhe um peso e uma importância que à partida, possivelmente, não teria.
Na verdade, não será exagero dizer que tudo num combate de kendo, sobretudo se os adversários forem tecnicamente equivalentes, está dependente da leitura que se faz da atitude do opositor.

E se isso é evidente em sen-no-sen e sensen-no-sen, mesmo no caso de go-no-sen as possibilidades de sucesso são infinitamente mais elevadas se, ao invés de simplesmente esperar o ataque do adversário para depois contra-atacar, perante uma situação de tame, lhe “oferecer” um suki falso, um engodo, uma abertura falsa na nossa guarda. Aquilo que aos olhos do opositor se apresenta como uma falha nossa é, na verdade, uma falha dele. Uma falha que vai significar a sua “morte”.

É caso para dizer que é uma maneira de ler as coisas.



*Não deixa de ser interessante mencionar que, no seu livro “Kendo”, Takano Sasaburo (1862-1950), um dos maiores teóricos do kendo moderno, se refere a sen-no-sen apenas como sen. Estão a ver a coisa?...

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