2.2.05

A FORMAÇÃO DO KENDO: A JUVENTUDE DE SAZABURO TAKANO (III)

Continuamos hoje a tentar aprender com quantos paus se faz o shinai de um dos últimos grandes mestres de kendo. E a história de S. Takano está longe de terminar. Como sempre agradecimentos ao mestre Tokitsu por ter disponibilizado os seus textos e artigos sobre este assunto. Como sempre, sabe pode encontrá-los, em francês, aqui: http://www.tokitsu.com.

O Dojo Shumpukan
Tesshu vivia na antiga casa do vassalo principal da senhoria de Kyushu (Wakayama). Eis como um dos discípulos que aí habitava também, Kogura Tetsuju (que na altura se chamava Watanabé Isaburô) descreve a vida quotidiana na “Yamaoka Sensei Shôden-Oré no Shishô”:
“Como o mestre se dedicava ao gekiken, dois ou três alunos compareciam diariamente e treinavam, sangrando abundantemente, sobre a terra batida frente ao vestíbulo. O seu número aumentava de dia para dia e em breve seriam entre quarenta e cinquenta. Então o mestre mandou derrubar as paredes de um edifício comprido (nagaya) e mandou que se colocasse um pavimento de madeira para aí fazer um dojo.”
Nessa época o termo kendo ainda não era usado, dizia-se gekiken ou kenjutsu. Kogura Tetsuju foi aceite como aluno residente (uchideshi) em 31 de Dezembro de 1881:
“Nessa altura, no Shumpukan (ele confunde porque o Shumpukan ainda não tinha sido construído), para além de uma dezena de alunos residentes, treinavam diariamente 70 a 80 alunos.
A vida dos alunos residentes era muito diferente da dos outros alunos.
Levantávamos-nos todos os dias às 4 da manhã. Lavávamos rapidamente a cara, pois era preciso varrer o jardim e, em seguida, preparar o dojo grande. O treino matinal começava antes do pequeno-almoço.
Ao primeiro som de shinais, o mestre levantava-se e, depois de refrescar a cara, ia até dojo para treinar cada um dos seus alunos internos. Em seguida tomávamos o pequeno-almoço. Como eu era o aluno mais recente, devia terminar o treino mais cedo para preparar a refeição de todos os alunos e servir apenas o mestre. Cada um dos outros servia-se a si próprio. A preparação não era assim muito difícil, uma vez que comíamos, com o arroz, uma sopa à base de feijóes de soja e uma salada de nabo.
Depois da refeição, deviamos treinar com os alunos externos e eu tinha de arranjar tempo para fazer as compras para o almoço, limpar as ervas do jardim, preparar o banho, etc, etc.”
Assim deve ter sido a vida de S. Takano enquanto aluno de Tesshu. Tesshu, que mandou construir no jardim, por detrás da sua casa, um dojo com 6,30 m de largura e 14,40 m de comprimento; inaugurado a 20 de Novembro de 1883, baptizou-o com o nome “Shumpukan” (casa do vento primaveril). Nessa altura, um dojo com essas dimensões era considerado muito grande. Comparando com as dimensões dos dojos de hoje, esse “grande dojo” parece pequeno e, no entanto, tinha capacidade para acolher bastantes alunos. Porquê? Porque os métodos de treino e de executação técnica eram, então, diferentes. Em vez de se treinar técnicas de longo alcance e baseadas na rapidez, tal como são privilegiadas pela tendência moderna do kendo, treinava-se principalmente com a ideia de preparar o combate com um sabre cortante; o shinai não era, aí, mais do que intermediário. O gesto de cortar é sensivelmente diferente do gesto de tocar com o shinai.
A vida de Sazaburo Takano durante essa época não é, no entanto, conhecida com muita precisão. Pensa-se que deverá ter permanecido no dojo de Tesshu de Abril de 1879 a Setembro de 1884, sendo que, assim, deverá ter chegado antes da construção do novo dojo. Segundo um documento publicado pela Comissão Cultural de Saitama, Takano deve ter-se tornado aluno oficial de Tesshu e terá conseguido triunfar no “tachigiri” de 7 dias, o qual já foi anteriormente descrito. Mas estas afirmações não estão provadas e não são confirmadas por outras fontes de informação.
Tesshu abriu as portas do seu dojo a todos aqueles que buscavam aprofundar a arte do sabre, sem limitações quanto à sua escola. Eis, acerca do assunto, as regras internas do Shumpukan:
- O combate de desafio com outras escolas (taryu-jiaî) far-se-à sem armadura de protecção e com sabre de madeira.
- Os adeptos vindos de outras escolas e que desejem treinar o combate com o objectivo de aprofundar a sua arte, praticarão com armadura e com um shinai (Setembro 1884).
Dizia-se que uma pessoa normal não aguentava o treino no dojo de Tesshu por mais do que uma semana. S. Takano dedica-se com tanto empenho que, ao fim de dois meses, os outros discípulos começam a desconfiar que ele prepara uma vingança em honra dos seus familiares.
A última vingança de que há registo no Japão teve lugar no ano seguinte, a 17 de Dezembro de 1880. Ocorreu com um homem chamado Rokuro Usui que, vindo de Fukuoka para Tóquio, se tornou aluno de Tesshu em 1876. Depois da vingança, Tesshu Yamaoka foi convocado pelo tribunal que desconfiava que ele tinha encorajado esse acto. Quando Takano entrou no dojo de Tesshu esses acontecimentos ainda não se tinham produzido.
É ele próprio que nos conta:
“Dois meses depois da minha chegada, o mestre Yamaoka diz-me: “Venha comigo, hoje convido-o para uma boa refeição.” E continua sorrindo: ”Tem-se empenhado bastante durante estes meses.” Eu respondo: “Agradeço-lhe. Começo a sentir que ganhei mais força.” Nisso, o mestre manda sair os outros alunos e ficamos a sós. E ele diz: “Já não está mais ninguém aqui. Diga-me o que vai pelo seu espírito sem me esconder nada. Sabendo, talvez eu lhe possa ser útil. Você tem muitas coisas curiosas.” Perante estas palavras simpáticas, acabei por lhe contar o meu segredo. O mestre disse-me: “Compreendi. Mas esse homem chamado Okada já não é adversário para si. Parta imediatamente para se vingar. Se por acaso perder, volte cá.”
Depois dessa conversa, parti imediatamente.”
A Comissão Cultural de Saitama, afasta-se do trestemunho de Takano e oferece uma versão moralista desse episódio: S. Takano torna-se aluno de Tesshu ao renunciar ao espírito de vingança. Mas, eis aqui o seguimento desse caso, segundo um artigo da revista Kendo-Nippon:
“S. Takano deixa Tóquio e desloca-se até Takasaki, onde se situa o dojo de Okada. Um dos discípulos de Okada recebe-o e diz-lhe:
“Gostaria de saber o motivo da sua visita.”
Takano responde: “Pode facilmente adivinhar o objectivo da visita que um adepto de kenjutsu faz a outro. Mas falarei mais quando estiver cara-a-cara com o seu mestre. Faça o favor de lhe anunciar a minha visita.”
Este visitante não era vulgar. O discípulo de Okada corre a anunciar a visita ao seu mestre. Jogoro Okada vem recebê-lo e diz:
“Estou desolado pelo mal que lhe causei da última vez. Arrependo-me profundamente. E o meu arrependimento é ainda maior desde que soube entrou para o dojo de mestre Yamaoka para aprofundar a sua arte.”
“Não necessito da sua gentileza.” Responde Takano, que continua: “Eu vim hoje aqui para lhe pedir que combata comigo.”
“Peço-lhe que me desculpe por lhe pedir que retire o seu desafio, pois penso que já não seria capaz de lhe fazer frente.”
O diálogo continuou neste mesmo tom e ao fim de uns momentos, a combatividade de S. Takano esmorece e ele retira-se sem combater contra Okada.”
Para Okada essa foi certamente a solução mais inteligente, uma vez que Takano estava disposto, segundo as suas palavras, a morrer se perdesse uma outra vez. Okada não podia deixar de compreender (N.T.: e temer?) a determinação desse jovem adepto.
A 27 de Setembro de 1884, o avô de S. Takano, Sakichiro-Mitsumasa Takano, morre com a idade de 82 anos. Com a autorização de Tesshu, S. Takano, com cerca de 22 anos, volta á sua terra natal para dirigir o dojo do seu defunto avô.


THE ESTABLISHMENT OF KENDO: SAZABURO TAKANO’S YOUTH (III)
We are still trying to understand how one of the greatest kendo masters, ever, was built. And S. Takano’s history is far from over. As always, thanks to Tokitsu sensei for his articles about the subject. And, as always, you know you can find it all, in french, right here:
http://www.tokitsu.com.

The Shumpukan Dojo
Tesshu lived in the Ryukyu Seigneury main vassal’s former house (Wakiyama). Here is how one of his disciples, Kogura Tetsuju (called, in those days, Watanabé Isaburô), who also used to live there, describes the daily life inside “Yamaoka Sensei Shôden-Oré no Shishô”:
“Because the master dedicated himself to gekiken, two or three students will attend his classes on a daily basis, bleeding profusely, on the dusty ground right in front of the vestibule. That number rose day by day and soon they were between forty and fifty. Then the master ordered the walls of this long building (nagaya) to be knocked down and it to be paved with wood, in order to make it a dojo.”
In those days the word kendo was not in use, so one would say gekiken or kenjutsu. Kogura Tetsuju was accepted as a resident student (uchideshi) in December, the 31st, 1881.
“Back then, at the Shumpukan (he’s confused, the Shumpukan hadn’t been built yet), aside from the ten or so, resident students, some 70 to 80 sword adepts trained everyday.
The life of the resident student was very different from the other ones.
We’d get up everyday at 4 AM. Quickly washed our face, because the garden needed to be swept, and after that we’d prepare the main dojo. Morning practise would start before breakfast.
With the first sounds of the shinais, the master would got up and, after refreshing his face, he’d then go to the dojo and train with each of his resident students. After, we used to have breakfast. Has I was the most recent student, I had to finish practise earlier, in order to prepare the meal to all the students and to serve it to the master. Each one of the students should serve himself from the meal. The preparation wasn’t that difficult, since we ate rice, a soup made out of soy beans and a turnip salad.
After the meal, we had to train with the visiting students and I had to find the time to do the shopping for lunch, clean the weeds of the garden, prepare the bath and so on…”
S. Takano’s life must had been something like that while he was a student at Tesshu’s. Tesshu, who ordered a 6,30 meters large and14,40 meters long dojo to be built in the garden, behind his house; it opened in 1883, November the 20th and was baptized “Shumpukan” (house of the spring wind). Back then a dojo with such dimensions was considered a very big one. Comparing with today’s dojo, that “big dojo” certainly appears to be small, however, it was abble to receive a lot of students in it. Why? Because the trainning methods were very different. Instead long range techniques based upon speed, like the ones favoured today by the prevailing tendency of kendo, one would concentrate on how to prepare for a fight with a cutting sword; the shinai, then, was nothing more than an intermediary. The act of cutting is slightly different from touching with the shinai.
However, Takano’s life back then isn’t know with too much accuracy. Some think he must have remained at Tesshu’s home from April 1879 until September 1884, and so, must have arrived there before the opening of the new dojo. According to a document published by the Saitama’s Cultural Comission, S. Takano became an official student of Tesshu and overcame successfully the seven days “tachigiri”, which we already talked about in here. But these statements are neither proofed nor confirmed by other information sources.
Tesshu opened his dojo’s doors to all of those searching to improve their skills in the art of of the sword, without any limitations about their schools of origin. These were the internal rules of the Shumpukan:
- Challenge fights with other schools (taryu-jiaî) will take place without any protective gear and with (the use of) a wooden sword.
- The students of other schools who wish to train combat with the objective of improving their art, will use protective gear and a shinai (September 1884).
They used to say a regular person wouldn’t be capable of trainning in Tesshu’s dojo for more than a week. S. Takano dedicates himself to it with such persistence that, after two months, the other disciples began to wonder if he is not preparing a revenge to honor his parents with.
The last registered revenge to take place in Japan would take place the next year, in 1880, December the 17th. That revenge was executed by a man called
Rokuro Usui, who came from Fukuoka to Tokyo, and became a Tesshu student in 1876. After the revenge, Tesshu Yamaoka was called by the court; they suspected he had encouraged the act. When Takano entered Tesshu’s dojo those events were yet to happen.
Here’s what he tells us:
“Two months after my arrival, Yamaoka sensei told me: “Come with me, today I invite you to a good meal.” And he continues, while smilling: “You have been trainning really hard these last months.” I answered: “I thank you. I start to feel I gained power.” Suddenly, the master ordered everybody to leave and we are left alone. And he said: “There’s nobody else here. Tell me what’s on your mind without holding anything from me. If I know, I might be helpful. You are a very curious person.” After these nice words I told him my secret. The master then said: “I understand. But that man called Okada is no longer an adversary for you. Leave at once and take your revenge. If, by any chance, you loose, come back here.”
After that conversation, I left imediately.”
The Saitama’s Cultural Comission, aparts itself from Takano’s testemony and offers a rather moralistic version of the episode: S. Takano becomes Tesshu’s student by renouncing the spirit of revenge. But, according to an article in Kendo-Nippon magazine, things happened as follows:
“S. Takano leaves Tokyo and travels to Takasaki, where Okada’s dojo is situated. Oine of his disciples receives him and asks:
“I’d like to know the reason of your visit.”
Takano answers. “you can easily guess the reason why a kenjutsu student visits another. But I’ll say more once I’m face to face with your master. Please, let him know that I’m here.”
This visitor was no ordinary one. Okada’s disciple runs to announce him to his teacher. Jogoro Okada receives him and says:
“I’m very sad for all the harm I did to you last time we met. I’m very sorrow. And my remorse is even bigger since I knew you entered master Yamaoka’s dojo, in order to improve your art.”
“I don’t need your politeness.” Takano answers, and conitnues: “I’m here today to ask you to fight me.”
“I’m very sorry but I’l have to ask you to take back your challenge, because I don’t think I’d be capable to confront you.”
The dialoge continued for a bit more and after a few moments, Takano’s combativeness faded away and he left Okada’s dojo without fighting him.”
To Okada that was, for sure, the most inteligent solution, since, according to his own words, Takano was ready to die in case he’d loose again against him. Okada could not help to understand (T.N.: and fear?) the young man’s determination.
On the 27th of Sepetmber, 1884, Takano’s grandfather, Sakichiro-Mitsumasa Takano, passes away at the age of 82. With Tesshu’s permission, Sazaburo Takano, then aged 22, travels back to his hometown to run his late grandfather’s dojo.

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