5.10.06

A AVE RARA 1

Como as imagens do Kendum Principiantis são raras (e muitos caras)
optou-se pelo uso de uma imagem de um Pássaro-Dodo.

O Kendum Principiantis (nome vulgar: principiante de kendo) é uma ave muito peculiar e tão poucas vezes avistada que é frequentemente tida como extinta.

Em certas épocas porém, como aquela que atravessamos, e que corresponde ao fim do verão e início do ano lectivo, ou por vezes por voltas de Janeiro (resoluções de ano novo?), o principiante de kendo faz a sua aparição nos dojos.

Um especimen de cada vez, timidamente, pequenos grupos de Kendum Principiantis atravessam a porta de entrada com aquele ar reveledor de um misto de curiosidade, receio e desejo.
Nos seus olhinhos inocentes não consigo ainda, na maior parte das vezes, e ao fim de tantos anos, vislumbrar o motivo que os levou até ali.

Já (mais do que?) uma vez “filosofei” neste blog acerca dos motivos que levam o português “comum” a embarcar numa aventura exótica como é começar a praticar kendo e não o vou fazer mais uma vez agora. Mas como estamos a atravessar uma fase de concentração de Kendum Principiantis gostaria, no entanto, de reflectir um bocadinho acerca destas fascinantes criaturas. Perguntas como “o que os faz entrar nos dojos de kendo?” ou “porque permanecem tão poucos?” são aquelas que mais imediata e forçosamente surgem.

No entanto, depois de apenas alguns momentos de reflexão, as respostas, como sempre, aparecem simples, óbvias e plenas de uma verdade dura e incontornável. E a grande verdade é que o Kendum Principiantis, na maior parte dos casos, não sabe ao que vai.

Desde os últimos samurais, kill bills e zatoichis do cinema até à manga como os rurouni kenshins e vagabonds, passando por documentários do discovery channel, mais ou menos mal paridos, e personagens de role-play, os motivos que levam o principiante de kendo até ao dojo são os mais variados. O brilhozinho nos olhos da paixão pelo exótico e pelo desconhecido, tão bem camuflado no princípio, demora pouco, no entanto, a transformar-se, na maior parte dos casos, numa expressão de desapontamento bem visível agora em toda a face.

O kendo, que parecia um ser acessível e fácil e simples, é afinal um/uma amante exigente e rigoroso/a. Uma entidade que, afinal, exige muito quer fisíca quer intectualmente e que APARENTEMENTE retribuiu muito pouco ou nada.

Ao contrário de muitas outras artes marciais no kendo, por exemplo, não há “cintos”. A típica “cenoura” que incentivaria o Kendum Principiantis a “puxar o carro” não está lá. Tradicionalmente, as graduações de kyu são teoricamente existentes mas, na prática, irrelevantes. O primeiro momento de verdadeiro teste é, para a grande maioria, o exame de shodan*, depois de, no mínimo e com sorte, um ou dois anos a treinar “sem recompensas”.

E a treinar o quê? À primeira vista, uma arte marcial sem quaisquer objectivos práticos.

Um anacronismo total e absoluto. Ou não?

(CONTINUA)
* Nalguns locais, no entanto, os exames de kyu são feitos e parece terem cada vez mais adeptos. Mas mesmo nesses lugares, não há a prática do uso de cintos de cores.

6 comentários:

Kodomo disse...

LOLOLOL...muito bom mesmo caro Usagi!!

Devo ser dos Kendokas mais recentes do dojo de Lisboa e ainda hoje me lembro perfeitamente de chegar a casa ao final de um treino e pensar para mim:

- "...mas porque é que ao final de meses de treino ainda me doem os braços e ainda não consigo fazer um men como deve ser? será que o Kendo não é para mim e devo procurar outra actividade?"

... :D imediatamente a resposta surge por si. É precisamente isso que o Kendo me está a ensinar...que não se deve desistir perante a adversidade, que por vezes os progressos são tão poucos ou fazem-se de forma tão lenta que aparentemente não existe qualquer recompensa na prática do Kendo.

O Kendo não é fácil, exige disciplina física e mental,e talvez seja isso a maior recompensa que o Kendo nos pode oferecer. Fiquem com os cintos ou emblemas coloridos. É o nosso Kendo e o nosso comportamento no dojo que reflecte o nosso valor como praticantes.

Usagi-san disse...

Dizes, tu Tiago: "...imediatamente a resposta surge por si."
O grande problema é que às vezes, muitas vezes, quase sempre, as pessoas que desistem fazem-no porque a resposta, precisamente, não surgiu por si.
Mas isso é assunto para a continuação do texto. Lá chegaremos.

Maltez disse...

Quanto ao assunto dos Kyu, já uma vez debati isso com o Nuno Serrano e com o Henrique Martins num jantar qualquer depois de um torneio. Aquilo que o Nuno me apontou foi tão simplesmente o facto de termos muitos poucos praticantes em Portugal para justificar essas graduações.

A (pequena) experiência que tive noutras situações em que esse sistema é posto em prática mostra-me que, mais do que servir de cenoura (que é de qualquer forma um papel nobre) essas graduações ajudam o praticante a ter uma noção do seu progresso.

Claro que depois vai da cabeça de cada um entender o que significam as corezinhas dos "cintos". Como se diz lá no sítio de onde venho... um cinto serve em geral para segurar as calças.

Se o objectivo é comer a cenoura, então não sei se valerá a pena. Se o objectivo é chegar ao que existe para lá da cenoura... então é capaz de valer a pena

Mas que raio de metáforas vegetais.

(Então agora que eu venho treinar para Lisboa é que o Joaquim se lesiona... bah!)

Usagi-san disse...

Isso dos números pode ser um pouco enganador. No Japão há seis ou sete milhóes de praticantes e nunca ouvi falar de exames de kyus. Pelo menos, que eu saiba, a grande maioria da federações japonesas não o pratica.

Usagi-san disse...

Mas aí está um bom tema para um post no forum kendo-world.

Maltez disse...

Quando fizeres a posta, avisa pois queria ouvir mais opiniões. Quanto ao japão, por acaso já sabia mas por exemplo em França, onde o Kendo (bem como a generalidade das disciplinas do budo) está bastante enraizado os exames de kyu são habituais.