28.3.05

A PROFUNDIDADE DO KENDO

Este texto foi traduzido a partir do original francês, da autoria de Kenji Tokitsu, disponível para leitura em www.tokitsu.com.

O objectivo do kendo é procurar a plenitude da existência através do combate, no que é acompanhado por um desprezo pelas artimanhas. Eis porque T. Naîto, o rival de S. Takano, recusava que os seus alunos ganhassem em torneios através da utilização de técnicas pouco ortodoxas. Ele preconizava um único golpe ao “men”, dizendo: “Se forem capazes de acertar no “men” como deve ser, todos os outros ataques são possíveis. Convém, por isso, aprofundar o ataque único ao “men”.” Eis o testemunho de um dos seus alunos: “Quando um aluno ganhava um combate utilizando outras técnicas que não “men”, o mestre desdenhava da vitória dizendo: “Se procuras ganhar assim, dessa maneira, nunca poderás crescer no kendo.””
Pelo contrário, se um aluno seu perdia um combate mas mantinha-se fiel à maneira ensinada pelo mestre, ele apreciava a sua maneira de perder o combate, pois a derrota era uma grande oportunidade para cultivar profundamente a percepção.”
Se conseguirem abrir sinceramente a vossa percepção em combate, na via, estarão então convencidos, com toda a certeza, seja da vossa vitória seja da vossa derrota, independentemente da apreciação dos outros. É o que explica que por vezes um kendoka de alto nível, tendo efectuado com sucesso, do ponto de vista dos juízes, os combates de exame de graduação, recuse depois a graduação superior, dizendo: “Acertei os golpes mas não encontrei a plenitude (do combate). Tendo feito um combate tão pouco satisfatório, não posso aceitar subir de graduação.” É óbvio que se trata de adeptos com uma sinceridade fora do normal, mas a consciência que leva a semelhante atitude está, mais ou menos, presente em todos os peritos de kendo de alto nível.
Essa auto-consciência é o que fundamenta as graduações. Ela constitui-se ao longo da formação e do progresso na via do kendo e é indispensável para compreender o kendo, e o budo em geral, em toda a sua amplitude.
Podemos agora entender que nas artes marciais, se possa reconhecer a derrota devido ao auto-reconhecimento de um defeito na nossa própria maneira de combater. É essa tomada de consciência que nos ajuda a avançar na busca da perfeição. Mas qual perfeição? Afinal, é preciso ver que, no kendo, o aprofundamento é atingido através de uma limitação tal das técnicas, que a eficácia atingida não se enquadra directamente nas situações de combate com que nos podemos deparar na vida contemporânea.
O contributo do kendo situa-se num outro nível. A técnica confunde-se com a maneira global de existir de um praticante durante o combate no dojo e esse combate é preparado e vivido no treino quotidiano, o qual se inscreve na continuidade da vida de todos os dias. A prática do kendo ou do budo, nesse nível, começa a confundir-se com a maneira de viver. Desta forma, o budo reafirma que o sabre dos samurai é uma concepção de vida. O que procuramos no combate de kendo é uma forma de existir plena, na qual, uma prova concreta, o confronto em combate, permite seguir a nossa progressão e evitar ilusões. O combate de ki (vontade e energia) apresenta explicitamente todas as técnicas do kendo e é uma realidade clara para todos os kendokas de bom nível. Ao precisar assim o sentido do budo, somos obrigados a reconhecer que o karaté não se encontra ainda integrado, nem em teoria, nem na prática, nessa profundidade e complexidade de percepção, (N.Tr.: feita de) vontade e energia. Não se trata de procurar uma resposta numa dicotomia entre o karaté desportivo e o karaté tradicional, ou clássico, é toda a dimensão do budo e a possibilidade de atingi-la, que este estudo sobre o kendo põe em causa.



THE DEPTH OF KENDO
This text was translated from french to portuguese and then to english; it was written by Kenji Tokitsu, and you can read it in it’s original language here:
www.tokitsu.com.

The objective of kendo is to search the plenitude of the existence through combat, and is followed by a disdain regarding cunning. That’s why T. Naîto, S. Takano’s rival, refused to let his students win in tournaments by using unorthodox techniques. He was devoted to the idea of one simple “men” strike, and used to say: “If you manage to hit “men” properly, all other attacks are possible. That’s why you must perfect the single “men” strike.” Here’s the testimony of one of his students: “When one of the students won by using other then ”men” techniques, the master used to desdain the victory by saying: “If that’s the way you intend to win, you’ll never grow in kendo.””
On the other hand, if one of the students loose a fight but kept faithfull to the teachings of the master, he‘d appreciate his way of loosing the combat, because defeat was a great opportunity to deeply cultivate his perception.”
If you manage to sincerely open your perception during combat, following the path, you’ll then be convinced, without a shadow of a doubt, either of your victory or of your defeat, no matter what the others say about it. That’s the best way to explain why, sometimes, high level kendokas, having overcome with success, from the judges point of view at least, their fights during dan exams, refuse to reveive the superior rank, saying: “I hit the adversary but I didn’t find the plenitude (of the combat). Having done a so unsatisfatory fight, I cannot accept getting a higher rank.” Of course, in this case we’re talking of experts with a great sensibility, but the conscience leads to such an attitude is, more or less, present in all high ranked kendo experts. This self-conscience is the basis of all grading. It constitutes itself during formation and progress in the way of kendo and it’s indispensable to understand kendo, and budo in general, in all of it’s magnitude
We’re now able to understand why, in martial arts, we can acknowledge defeat due to the recognition of a flaw found in our own way of fighting. That’s the kind of conscience that helps us in the search for perfection. But which perfection? After all, we know that in kendo, depth is obtained through such technical limitations that the efficiency obtained does not finds a direct usage in the combat situations we may encounter in our daily lives.
Kendo’s contribution is somewhere in another level. Technique merges itself with the global way of existing of the adept during dojo combat, and that combat is prepared and lived in daily training, which inserts itself the continuity of everyday’s life. The practice of kendo or budo, at such level, starts to merge with the way of living. This is how, budo reinstates the sword of the samurai as a meaning of life. What we search in kendo combat is a fulness way of existing, in which, one particular proof, the confrontation in combat, allows us to follow our progresses and avoids illusions. Ki (will and energy) combat explicitly presents all kendo techniques and is an obvious reality to all high level kendokas. When expressing the meaning of budo in such a way, we’re forced to recognize that karaté is not yet integrated, neither in theory nor practice, in such a perception’s depth and complexity, (Tr. Note: made out of) will and energy. It’s not about finding an answer in a dichotomy between sport karaté and traditional, or classic, karaté, it’s the whole budo dimension and the (im)possibility of reaching it, that this study about kendo calls into question.

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