Shimojima sensei, um mestre "a sério", explicando kendo-no-kata.
Empolada, sobre-valorizada e, muitas vezes até, idolatrada, nenhuma figura das artes marciais japonesas é mais importante do que a do mestre.
Iluminados, rebeldes, obscuros, comerciantes, ascetas, sociáveis, anti-sociais, gentis, brutais, há-os, ao longo da história, de todos os géneros e feitíos.
Os textos que irão ler tentam demonstrar o que eu penso, neste momento da minha vida, acerca dessa mesma figura. Acerca de ”aqueles que chegaram antes” de mim. Algumas das histórias e opiniões que vos vou relatar podem não ser entendidas da melhor maneira por todos. Paciência, não vou pedir desculpa a ninguém por pensar como penso.
Kitamoto, Verão de 2005
A extremidade do meu shinai estala, com um ruído semelhante ao de um chicote, no kote direito do sensei. Foi tudo perfeito: seme perfeito, finta perfeita, entrada perfeita, timing perfeito, datotsu e kakegoe perfeitos... flack... e, em seguida, zanshin. Perfeito... kote-ari.
Mas, no entanto, há algo que não está perfeito. O sensei, um 8º dan cujo nome não vou revelar, parou e olha para mim com cara de poucos amigos. Ele chama-me mais para perto para me dizer algo e grita: kakari-geiko, hajimeeee!!!
Quando o kakari-geiko terminou, uma dúzia (ou mais) de passagens depois, chamou-me outra vez para próximo de si e, dessa vez, berrou-me: kiri-kaeshi... hajimeeee!!!
Lembro-me que era o primeiro ji-geiko do primeiro dia de estágio. Quando acabei o dito kiri-kaeshi (triplo, à moda de Kitamoto) mal me aguentava nas pernas e apresentava-se-me ainda pela frente uma hora e meia de keiko com alguns dos melhores kendokas do mundo.
E eu que me farto de apregoar que o kendo não é violento.
Tudo porque executei perfeitamente uma das técnicas que tinhamos estado a treinar minutos antes. A recompensa pelo meu esforço foi um castigo despropositado e desproporcionado.
Nenhum outro me voltou a punir por fazer coisas bem feitas... pelo contrário. A maior parte dos outros senseis quando se apercebiam que tinham sido enganados, que um “gaidjin de segunda” lhes tinha conseguido marcar uma técnica, sorriam e, por vezes até, chegavam a parar e a fazer uma vénia.
Até hoje não consegui encontrar uma explicação plausível para o sucedido. A única que me ocorre sempre quando penso nisso, e depois de muito pensar, é que aquele sensei, independentemente dos seus dans todos... é uma besta! Nem mais nem menos.
Uma grandessíssima besta. Pronto, já disse.
Mas, felizmente, esse senhor parece ser apenas uma pedra que, de uma maneira bastante estranha e improvável, passou pela peneira formativa e educacional que caracteriza a generalidade dos senseis de kendo com os quais me cruzei até à data.
Apesar dessa excepção de peso (afinal, trata-se de um 8º dan*) a regra continua a ser que as pessoas que atingem esse (quase inatingível**) patamar sejam, obviamente, indivíduos bastante equilibrados, conscientes não só das suas responsabilidades actuais mas também históricas, no mundo do budo em geral e do kendo em particular. Em resumo, mestres a sério.
* Hachidan é, desde 2002, a graduação máxima atingível pelos praticantes de kendo filiados na Zen Nippon Kendo Renmei.
**A taxa de sucesso no exame de hachidan oscila entre os 0,6 os 0,8%. Desde o fim da segunda guerra mundial, em 1945, apenas à volta de 500 pessoas acederam ao título de hachidan ou superior.
3 comentários:
Meu, foi uma das maiores desilusões da minha vida... de kendoka.
Infelizmente isso acontece,com japoneses e outros ,não precisem de ser Hachidan.Intelligençia tem suas limites,a estupidez não...
Pois Manuel, isso é tudo verdade, mas já viste bem a minha sorte?
Um gajo viaja 12 ou 13 horas para o outro lado do mundo, está no local que, nessa altura, tem a maior concentração de hachidan por metro quadrado e eu... vou marrar de frente com um fulano assim LOGO NO PRIMEIRO JI-GEIKO.
Se alguma vez voltar a Kitamoto juro que, antes de sair daqui, vou à bruxa :-).
Enviar um comentário