18.12.04

A BUSCA DA PROFUNDIDADE DO COMBATE (I)

Então cá estamos nós, mais uma vez, com um novo artigo escrito pelo sensei Kenji Tokitsu. vamos continuar a analizar a luta entre S. Takano e K. Naïto. Depois disso, vão lá dar uma olhadela ao site do senhor Tokitsu's e descubram mais sobre ele e sobre outras coisas acerca das quais escreveu. Olhem, estão a um click de distância, já aqui: http://www.tokitsu.com.

Nos textos anteriores foi apresentado o exemplo de um célebre combate de kendo entre dois mestres de antes da segunda guerra. Com isso, quis-se mostrar a profunda dimensão do combate de budo que servia de modelo aos mestres de karaté dos anos trinta.

A complexidade do combate no budo
Voltemos então ao exemplo do combate que nos foi contado por C. Ogawa. Ao colocarmo-nos no lugar do espectador normal de uma competição desportiva de kendo, o julgamento é simples: S. Takano ganhou facilmente pois conseguiu atingir o adversário por cinco vezes, enquanto K. Naïto permaneceu imperturbável, sem defender nem atacar. No entanto, constatámos que a apreciação dos mestres de kendo de então foi completamente diferente. Porquê?
Em primeiro lugar, é preciso sublinhar que se trata de um combate entre mestres do mais alto nível, apreciado pelos seus pares. Sob a aparência física do combate, estes apreciaram o desenrolar de um combate entre o espírito e a vontade de duas pessoas, o que qualificavam como combate de “ki”. K. Naïto consegue manter o seu adversário à distância com a vontade transmitida através do seu shinai (kiai-sémé). Ele permanece imperturbável mesmo quando é atingido. S. Takano é empurrado pela vontade que emana do seu oponente e vê-se obrigado a atacar para evitar recuar ainda mais. Ou seja, ele não ataca porque encontrou uma falha no seu adversário, mas sim porque é obrigado a fazê-lo. Os seus golpes são semelhantes ao alpinista que prega uma estaca para evitar cair e não para o ajudar à subir. O que os mestres presentes apreciaram foi que K. Naïto forçou o seu adversário na obrigação de atacar sem estar, no entanto, em posição de escolher o seu ataque. É preciso acrescentar que o relato de Ogawa sensei omite o facto de S. Takano ter sido obrigado a recuar à medida que executava os ataques e que, quando o árbitro parou o combate, este se encontrava já próximo do limite da área destinada à contenda. A guarda jodan é, em princípio, uma guarda que se assume quando se enfrenta um adversário mais fraco e S. Takano saudou o seu opositor ao assumir essa guarda de que era excelente utilizador. Tendo assumido jodan, era ele que deveria ter “empurrado” o seu antagonista, mesmo sem o atacar. Mas foi K. Naïto que, com a sua guarda chudan (menos ofensiva) criou a situação já referida em que S. Takano foi obrigado a atacar para não ser obrigado a recuar ainda mais. Foi essa maneira de gerir o combate que os outros praticantes de alto nível consideraram como “magnífica para lá de qualquer descrição”.
Assim, o que importava no kendo, a esse nível, não era o simples facto de conseguir ou não um ataque decisivo sobre o adversário, mas de que maneira dominar a vontade (ki) do mesmo. Se for possível aniquilar o ki do opositor, esse não conseguirá atacar e mesmo que o faça, o seu gesto não poderá ser perfeito visto que o “ki-ken-tai” (unidade do espírito, da espada e do corpo) não está perfeitamente impregnado na sua técnica. Se se consegue conduzir o oponente até uma situação semelhante, nem é necessário executar qualquer ataque. O kendo nessa altura era praticado com tal mestria que permitia esse nível de consciência. Para o espectador normal, os golpes de S. Takano podiam parecer magníficos, pois eram “encaixados” sem defesa, mas para os conhecedores de alto nível era evidente que esses golpes não eram decisivos e é por esse motivo que K. Naïto decidiu não os defender.
É nesse sentido que ainda hoje os mestres de kendo atribuem uma importância primordial à emanação de energia e de vontade (kiai-sémé) que precede a troca de golpes em combate. Esse tipo de combate é considerado por certos kendokas modernos como o ideal do kendo, a sua última etapa, o kyukyoku-nokendo.


The search of depth in combat (part I)

So here we are, once again, with a new article written by Kenji Tokitsu sensei. We'll continue to analize the fight between S. Takano and K. Naïto. After this, go on, take a look at Mr. Tokitsu's site and find out more about him and all that he wrote about. Hey, it's a click away and right here: http://www.tokitsu.com.

In the previous articles the example of a famous combat of kendo between two great masters from before the II world war. The intention was to show the profound dimension of budo combat, that served as a pattern to the karaté masters of the 30s.

The complexity of budo combat
So, let’s go back to the example that C. Ogawa told us about. If we get ourselves into the shoes of an ordinary spectator attending a kendo sports competition, the judgement is rather simple: S. Takano won easily because he managed to strike his opponent five times in a row, while K. Naïto remained undisturbed, without blocking or attacking. However, we realized that the appreciation of the kendo masters back then was completely different. And why?
First of all, we have to emphasize the fact that we are talking about a combat between two masters of the highest level, and witnessed by their peers. And beneath all the physical aspects of the combat, what they appreciated was the developping of a fight between the spirit and the will of the two fighters, what they called a “ki” combat.
K. Naïto managed to keep his adversary in the distance, using the will transmited through his shinai (kiai-sémé). He remained undisturbed even when he’s hit. On the other hand, S. Takano is pushed away by the will that emanates from his antagonist and feels compelled to attack, in order to avoid having to pull back even more. In other words, he is not attacking because a found a flaw in his adversary, he does it because he is forced to do it. His strikes are like the ones of a rock climber, who nails another spike in the rock in order to avoid falling down, rather then to help him climb up. So, what the masters saw was K. Naïto forcing his opposer to attack, while not in a position of doing it properly. One must had that Ogawa sensei’s narrative omits the fact that S. Takano was forced to retreat, doing so at the same time he kept on striking, and by the time the judge stopped the fight, he was already nearby the line that limits the competion area.
The jodan stance is, in essence, a stance assumed when facing a weaker adversary and S. Takano saluted his opponent just before assuming jodan, a stance he used with great excellence. So it was supposed to be him the one who “pushed” his antagonist, even without attacking him. But it was K. Naïto who, with his chudan kamae (a less offensive stance) created the already mentioned situation, forcing Takano to strike him in order not to forced to withdraw even more. It was that way of managing the fight that the other senseis considered as “magnificent beyond any description”.
Now, what mattered in kendo, at that level, it was not to be able to achieve or not achieve a decisive strike over the antagonist, but how to dominate his fighting will (ki). If it is possible to overwhelm the opponent’s ki, he will not be able to attack, and even if he does it, his gesture will not be perfect, because the “ki-ken-tai” (the unity of spirit, sword and body) will not be completely imbued in his technique. If one achieves to drive the adversary into such a situation, it’s not even necessary to attack. You see, back then, kendo was practised with such proficiency, that allowed such conscience level. To the normal spectator’s eyes, S. Takano’s strikes appeared as magnificent and, furthermore, were executed without any visible opposition from his opponent, but for the high level masters it was evident those strikes were not decisive and that’s the reason why K. Naïto decided not to parried.
That’s why, still today, kendo masters attribute a great deal of importance to the “emanation” of energy and of will (kiai-sémé) that precedes the actual exchange of blows during the combat. That kind of combat is considered, by some modern kendokas, as the ideal of kendo, it’s last stage, and is called kyukyoku-nokendo.




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