Chegamos assim ao fim deste artigo de Kenji Tokitsu sensei acerca da influência do kendo no karaté, no princípio do século XX. Para ler todos os artigos do autor (em francês) ou para saber mais sobre o mesmo vá até http://www.tokitsu.com. Vai ver que vale a pena.
Dificuldades e facilidades do karaté
Em karaté, uma situação como a do combate entre S. Takano e K. Naïto é difícil de conceber. Antes de mais nada, porque faltam as armaduras de protecção e o shinai para separar (e proteger) os dois adversários. Os corpos tocam-se directamente no decurso de um combate de karaté. É muito difícil ir até ao limite de uma percepção como fez K. Naïto, empurrar o adversário apenas com o seu ki e permanecer imperturbável enquanto, ao mesmo tempo, se recebem golpes sucessivos. No combate de karaté não se pode exercer a percepção a tal ponto. Antes de atingir um tal grau, é preciso evitar os golpes, uma vez que o corpo não está protegido. Do mesmo modo que, outrora, os adeptos do sabre se exercitavam com um bokuto, sem armadura, parando os golpes no momento final, foi através do exercício “yakusoku-gumité” que certos mestres se tentaram aproximar da profundidade do budo. Essa é a razão principal pela qual G. Funakoshi se opunha à prática de combate livre (Jiyu-kumité).
Elaborar um sistema de combate do género do que era usado no kendo, era uma das preocupações mais importantes de todos os mestres de karaté de então. E tentaram introduzir armaduras de protecção a partir, tanto das protecções de kendo, como das utilizadas pelos jogadores que recebem a bola no baseball. Mas antes que algum dos mestres pudesse encontrar uma forma de protecção que permitisse explorar, como no kendo, toda a profundidade do combate, a prática desportiva do jiyu-kumité desenvolveu-se. O dilema permanente é que mesmo aí não se golpeia verdadeiramente. É preciso parar o ataque e ao mesmo tempo executá-lo com o máximo de força. Qualquer que seja a interpretação que se atribua a esse tipo de combate (sundomé-kumité), a situação permanece fictícia. Ter a sensação de bater, sem bater verdadeiramente, e bater realmente, são coisas muito diferentes. Para resolver esse dilema, já aqui foi dito, alguns utilizaram protecções inspiradas pelo kendo, mas o corpo vestido com uma armadura, não sendo o corpo propriamente dito, irá deformar as técnicas de combate quando em contacto com outro corpo não só endurecido, mas mais pesado pela utilização da armadura. E, se por um lado, o ferimento na cara é evitado, por outro lado, o choque ao nível das cervicais é maior por causa do peso do capacete. Outros, assim, adoptaram a regra de executar os golpes com autenticidade e sem protecções, mas, na sequência de acidentes graves, começaram a proibir certos golpes: à cara, aos orgãos genitais, etc, desvirtuando, por isso, consideravelmente, o conceito de combate. A verdade é que, para permanecer mais próximo da realidade do combate, é preciso saber atacar e defender as partes do corpo mais sensíveis. Por isso, alguns continuam a autorizar ataques reais, a qualquer que seja a parte do corpo, sem utilizar qualquer tipo de protecção. Dentes e costelas partidas são normais, muitos são os narizes partidos e alguns perderam mesmo uma vista. O acumular de golpes recebidos deforma-lhes a percepção e os reflexos e, além do mais, nem todos os traumatismos são visíveis. Deste modo, torna-se, por vezes, difícil delimitar o combate de karaté e a luta de rua.
Com o exemplo do kendo, apercebemo-nos que uma atitude séria face ao combate não implica necessariamente gerir o combate de forma a deixar o adversário impossibilitado de continuar. O essencial é ser capaz de distinguir entre as seguintes situações: “Atingi-o, agora o árbitro vai declarar-me vencedor” e “atingi-o, mas já o tinha vencido”. É esta última que nos leva até à etapa onde “venci o adversário através da vontade e dominei-o sem (precisar de) o atacar”.
Hoje sabemos que é incontestável que os mestres de karaté da geração de Gichin Funakoshi aspiraram a elevar a sua arte ao nível atingido pelo kendo japonês. Partindo desse ponto de vista, podemos constatar que, se o karaté se encontra muito bem desenvolvido como desporto de combate, as suas possibilidades no domínio do budo, no entanto, não foram ainda suficientemente exploradas.
The search of depth in combat (conclusion)
And so we reach the end of Kenji Tokitsu sensei about the influence of kendo in karaté, in the early years of the XX century. In order to read all the articles of the authour (mostly in french) or to know more about him, just go to: http://www.tokitsu.com. You’ll see it’s worth it.
Karaté, the difficult and the easy parts of it.
In karaté, it’s hard to conceive a situation like the combat between S. Takano and K. Naïto. First of all, because the protection gears and the shinais aren’t there to separate (and protect) the two opponents. Bodys touch each others directly during a karaté combat. It’s very difficult to reach the limits of perception, like K. Naïto did, push your adversary by using only your ki and, at the same time, remain undisturbed while receiving successive blows. During a karaté combat one cannot reach such level of perception. Before reaching it, one must avoid the strikes, since the body is not protected. In the same way that, once, the students of the sword exercised with a bokuto, without protective armour, by stoping the blows in the final moment, that’s how some masters, by using the “yakusoku-gumité”, tried to approach the depth of budo. That’s the main reason why G. Funakoshi opposed himself to the practise of free fighting (Jiyu-kumité).
To elaborate a combat system, like the one used in kendo, that was one of the main concerns of all karaté masters back then. And so they tried to introduce protective gears, using not only the kendo armours as inspiration, but also the ones used by baseball catchers. But even before any of them could find a suitable way of protection that allowed, like in kendo, to fully develop the karaté combat, the practise of jiyu-kumité as sport started to arise. The permanent dilemma is that, even in that situation, one don’t really strike. One has to stop the attack and, at the same time, perform it with maximum strength. Whatever the interpretation is of that kind of combat (sundomé-kumité), the situation remains fictitious. To have the sensation of hitting without really doing it, and really hitting, those are two very different things. To solve the problem, it’s already been said here, some tried to use protective gear inspired by kendo, but the body, dressed with an armour, and so, not the body itself, will naturaly distort the fighting techniques when in contact with another, not only hardened but also, heavier body. And if, for once, the face wound is avoid, the schock caused in the cervical area, on the other hand, is much bigger due to the protective helmet. That why some adopted the rule of striking real blows without any protection, but following a series of serious accidents, they interdicted certain blows: to the face, the genital area, etc, and by doing so, considerably damaged the concept of combat. The truth is that, in order to remain closer to the reality of combat, one must know how to attack and defend the most sensible parts of the body. Hence the ones that, still today, continue to authorize the use real blows, against any part of the body and without the use of protective gear. Broken teeht and ribs are commonplace, many are the broken noses and some even lost an eye. The accumulation of the received blows distorts the perception and the reflexes, and furthermore, not all the traumas are visible. In this case, sometimes it’s hard to tell between the karaté combat and the street fight.
With the example of kendo, one realizes that a serious attitude towards fighting, doesn’t necessarily means to manage one’s combat in order to incapacitate the adversary. The essential is to be able to distinguish between the two situations: “I hit him and now the judge is going to declare me the winner” and “I hit him, but I had already won”. The later one is the one that leads us to that satge where “I won thanks to my will and I’ve submitted my adversary without (the need of) attacking him”.
Today we know, without a margin of a doubt, that the karaté masters of Gichin Funakoshi’s generation aspired to rise their art to the levels reached by the japanese kendo. In that point of view, it’s obvious that, altough today karaté is very well developped as a fighting sport, it’s possibilities as budo, however, are not yet sufficiently explored.
Sem comentários:
Enviar um comentário