17.11.05

O PROBLEMA DO BUDO PARA OS ADEPTOS ESTRANGEIROS

Vamos agora ao encontro de alguns problemas que os adeptos estrangeiros do budo, em particular os ocidentais, se arriscam a encontrar.
A via (do) para os japoneses diz respeito a toda a duração da vida. A noção de budo comporta uma tensão no sentido do auto-melhoramento, ou seja, da pessoa na sua totalidade, através da prática marcial. Essa expressão é compreensível para os ocidentais, mas não esses lhe atribuem o mesmo sentido que os japoneses.
A maneira de elevar a qualidade humana pela prática do budo tem origem, já o vimos antes, nas concepções budista e shintoísta. Os homens podem atingir o estado de Buda, um estado divino, e podem confundir-se com um deus de um santuário. Pode-se citar, como exemplo, o santuário Hayashizaki-Jinja onde o fundador da escola de Iaï, Hayashizaki Jinsuke-Shigenobu, é venerado como um deus do Iaï. Existe um grande número de santuários onde uma pessoa é venerada como um deus. Esse pensamento pressupõe que um homem pode, pelos seus esforços, atingir um estado de perfeição na sua existência.
Cada ser humano tem a possibilidade, ao elevar o seu valor humano, de mudar a qualidade do seu ser, de atingir um valor que se confunde com a forma do absoluto. A diferença é evidente com a cultura cristã onde a distância entre o homem e Deus é intransponível.


O discurso filosófico e ético das artes marciais ou do budo são, assim, baseadas fundamentalmente sobre a concepção budista e shintoísta do mundo e do universo, no qual não há absoluto, pois que nada existe sem ser relativo ao resto. Esse universo não é baseado no conceito de Deus-Absoluto. Conheço alguns mestres japoneses de artes marciais que são cristãos. Mesmo se a sua fé é cristã, isso não os impede de ser sensíveis à energia universal do sentimento budista e shintoísta.
Apoiada nessa concepção do mundo e nessa forma de sensibilidade, a ideia de auto-formação é essencial no budo. Desenvolvê-la na óptica de outras culturas seria, de uma certa maneira, prolongar a generosidade da lógica do budismo; dar à luz uma obra apagando-se a si mesmo. Uma obra onde cada ser humano é suposto ser capaz de aspirar a seguir na direcção da perfeição, caminhando pela via das artes marciais.

Alguns pesquisadores ocidentais definem o budo buscando os traços comuns das disciplinas das artes marciais de origens diversas. Mas a particularidade fundamental do budo consiste mais na concepção de uma formação do homem do que nas particularidades gestuais das disciplinas.
Dessa maneira a prática do budo conduz os adeptos ocidentais, como os mestres japoneses, a pôr em causa a sua maneira de ser. Não se trata, para os ocidentais, de brincar ao japonismo*. Certos europeus parecem viver de uma maneira mais japonesa que os japoneses. Penso que não é preciso perder ou tornar ambígua a sua identidade mas, pelo contrário, é preciso reforçá-la vivendo intensamente, aqui e agora, a cada instante.
Aceder à realização do budo concebido de maneira planetária levanta, deste ponto de vista, uma problemática de diferenciação.
Penso que está aí a dificuldade fundamental para os adeptos do budo.

* No original: jouer le japonisme.

Próximo capítulo:
Uma chave para o budo.

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